“Quero muito trabalhar a questão da memória”

Desde Novembro à frente da Companhia Nacional de Bailado, Paulo Ribeiro prepara para 2018 a primeira programação com a sua assinatura, que deverá incluir criações de Tânia Carvalho, Sasha Waltz e Édouard Lock. Quer também tentar remontar Masurca Fogo, de Pina Bausch.

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PÚBLICO

Após 18 anos à frente do Teatro Viriato, em Viseu, para onde mudou a companhia que carrega o seu nome, Paulo Ribeiro regressa a Lisboa, por onde tinha passado durante os três anos em que suspendeu a liderança do Viriato para se dedicar à direcção artística do Ballet Gulbenkian (BG). Com o fim inesperado do Ballet Gulbenkian em 2005, voltou a concentrar-se na programação da sala viseense e a investir no lado criativo. Em Novembro de 2016, aceitou suceder a Luísa Taveira à frente da Companhia Nacional de Bailado (CNB), por um mandato de três anos, na sequência da saída da ex-directora para a administração do Centro Cultural Belém. Embora sejam “duas companhias completamente distintas”, comparando BG e CNB, Paulo Ribeiro não deixa de sentir este momento como “uma segunda oportunidade de trabalhar só com dança e estar numa companhia de reportório, com bailarinos fantásticos”.

A prática diária aqui é muito diferente daquela que existia no Teatro Viriato?
Já mal me lembro do início do Viriato, mas lembro-me de que foi muito duro, porque o Viriato tinha uma equipa completamente nova a formar-se. Ia para lá de manhã cedo e saía de lá bastante tarde. Aqui, a máquina é muito maior. Tenho a impressão de ter passado de uma traineira para um petroleiro. É muito diferente na dimensão e naquilo que pode acontecer a qualquer momento. Já me aconteceu passar oito horas sem conseguir sequer ir ver os emails.

Em que tipo de solicitações é que se gasta esse tempo?
Sou muito solicitado por questões de produção, de organização do dia dos bailarinos, que é um quebra-cabeças porque agora estão a fazer o iTMOi, mas a seguir vão em tournée com um Programa Reportório que tem várias obras. Passámos dois dias só à volta da logística da tournée, que começa em Março e acaba em Julho. Ficou definida uma actividade intensa, pelos 40 anos da companhia. A Luísa [anterior directora da CNB] deixou imensa coisa para ser feita e que quero cumprir ao máximo, mas são coisas que têm imensos imprevistos. Não consigo ter agenda para o dia. Às vezes, só à noite é que consigo fazer aquilo que tinha pensado para a primeira hora da manhã.

Foi uma transição muito abrupta.
Sim, foi. Eu conhecia a casa, mas do lado artístico; não conhecia os meandros administrativos e de funcionamento de dia-a-dia. Cheguei também com uma programação como a companhia nunca teve, produções grandes sucessivas, uma tournée imensa... Imagino que a partir de 2018 o ritmo será diferente. No Viriato, aos poucos, o teatro quase respirava comigo. Acho que é o que vai acontecer aqui.

Houve sequer tempo para se sentar com a Luísa Taveira e falarem do que estava em curso e do que viria a seguir?
Ainda não falámos com calma. A Luísa foi para o CCB também com uma agenda complicadíssima e imensa coisa a que dar resposta. Houve uma passagem de pasta aqui durante uma manhã, mas acho que ainda vou ter de me encontrar com ela.

A Luísa deixa uma marca muito forte de direcção, até na abertura que proporcionou quer em termos de coreógrafos quer em termos de pessoas de outras áreas chamadas a colaborar com a CNB. O que lhe interessa conservar desse legado?
O trabalho da Luísa foi fantástico. Interessa-me conservar tudo, o que não quer dizer que seja sempre. Por exemplo, na relação entre coreógrafos e encenadores, a dramaturgia deve ser um apoio à coreografia e não o contrário. Esta casa, antes de tudo, é uma casa da dança. O que gostava de fazer era acentuar, sublinhar ou desenvolver o que a Luísa fez. Na Victor Córdon [pólo da CNB no Chiado], que tem um projecto educativo, abri aulas de clássico e contemporâneo todas as manhãs, e que são abertas a qualquer bailarino. A maior parte dos profissionais queixa-se de que quando não está a trabalhar não tem sítio para manter a forma ou então tem de pagar a estúdios. Também estou a abrir a Victor Córdon para as companhias independentes terem um espaço de ensaios. Em relação à programação da CNB, quero muito trabalhar a questão da memória. Quero ir buscar peças que foram feitas para a companhia e que vale a pena rever, mas sobretudo peças do reportório moderno e contemporâneo. Estou a desafiar os coreógrafos que estou a convidar para 2018 para remontarem uma peça que tenha sido essencial no seu itinerário e fazer mais uma criação.

Esses dois momentos acontecem em conjunto?
Gostava de fazer no mesmo programa — as pessoas vêm assistir a um espectáculo e têm as duas peças. Mas também gostava muito de dar a oportunidade de voltar a ver peças que foram essenciais para a história da dança moderna e contemporânea. Por exemplo, o May B, da Maguy Marin, ou o Canard Pékinois, do Josef Nadj. Ando em negociações — e acho piada que a Luísa também tinha tentado — para tentar remontar a Masurca Fogo, da Pina Bausch.

Há tempo suficiente para se programar 2018?
É apertado, sobretudo porque tenho tanta coisa para dar resposta no dia-a-dia. Já convidei coreógrafos, mas falta-nos abordar as questões logísticas. Estou com imensa dificuldade em encontrar datas para o tempo de criação, de reposição. Ainda nem cheguei à parte de definir cachets e coisas do género. Se correr mal por aí, vai ser muito complicado. O ideal numa casa como esta é programar com dois anos de antecedência.

A anterior direcção também fazia esse trabalho com antecipação. Não havia já espectáculos, senão contratualizados, pelo menos apalavrados para 2018?
Havia um projecto com o Victor Hugo Pontes e outro com a Olga Roriz. Com o Victor Hugo havia uma Pulcinella já com datas marcadas e com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, mas tive de pedir para adiar porque tenho de ter o ano completamente flexível quando estou a convidar pessoas. Não posso ter mais uma contingência. Em relação a 2019, já tenho um recuo maior e posso olhar para os projectos de outra maneira.

Mas esses espectáculos avançarão na mesma?
O da Olga é fácil e pode acontecer em 2018, porque é um solo. O do Victor Hugo penso adiá-lo para 19.

Quanto aos criadores com quem está em negociações para 2018, são nacionais e estrangeiros?
O primeiro programa vai ser com a Tânia Carvalho a fazer duas remontagens de peças dela e uma criação. Estou em negociações com a Sasha Waltz e com o Édouard Lock do La La La Human Steps. Para 2018, fui desafiado pelo Théâtre National de Chaillot, que quer co-produzir uma coreografia minha para a CNB. É um caminho muito importante porque a CNB precisa de receitas e de parceiros.

Como é que concebe o seu papel de criador na CNB?
Gostava de fazer uma obra por ano, porque preciso de criar, porque gosto dos intérpretes que tenho aqui, porque também acho importante a companhia ter a mão do director — é essencial porque lhe dá outra personalidade. Não faço este ano, mas em 2018 e 19 gostava. Aliás, estou a sentir-me bastante vazio — o dueto Ceci N’Est Pas Un Film já se estreou em Abril do ano passado.

À frente da Companhia Paulo Ribeiro deixou António Cabrita e São Castro. A ideia é que a companhia esteja disponível para novas criações?
Sim. Este ano, a São e o António não têm muita margem, porque o Teatro Viriato ficou programado para 2017 e a companhia também já tinha os seus projectos todos definidos. Mesmo assim, conseguiu-se arranjar um espaço para fazerem uma pequena criação. A partir de 18 têm carta-branca para fazerem o que quiserem.

No caso de cumprir apenas um mandato na CNB, imagina-se a voltar ao Viriato?
Não. Nem ao Viriato nem a Viseu. Viseu está associada a um projecto de vida que foi muito forte durante aquele tempo, profissional e familiar também, mas já aconteceu.

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