Trump, proprietário de hotéis de luxo, quererá visitar Camp David?
O retiro nas montanhas que foi palco de recepções a líderes estrangeiros e de acordos diplomáticos não parece agradar o novo Presidente, muito mais atraído pelo brilho dourado dos seus próprios resorts.
Dwayne Snurr, guarda-nocturno e residente de longa data de Thurmont, uma cidade rural e operária, a cerca de cem quilómetros da Casa Branca, estava a comer asas de frango num café na Main Street na semana passada quando começou a opinar sobre um assunto importante a nível local: o gosto do Presidente Donald Trump para destinos de férias.
“Acho que ele tem aquele sítio lá na Florida”, disse Snurr, referindo-se a Mar-a-Lago, o resort de Trump em Palm Beach. “Quando se tem um sítio como esse, tenho de reconhecer que é preferível ter uma praia e bom tempo.”
O complexo de Trump na Florida e as suas outras propriedades banhadas a ouro têm estado nas mentes da população de Thurmont, onde, numa montanha a poucos quilómetros, os presidentes passaram férias e receberam líderes mundiais em Camp David — no interior da floresta, em cabanas acolhedoras, um anátema completo para Trump.
“Camp David é muito rústico, é bom, você iria gostar”, disse Trump durante uma entrevista a um jornalista europeu pouco antes de tomar posse. “Sabe quanto tempo é que iria gostar daquilo? Durante cerca de meia hora.”
Os responsáveis da Casa Branca não revelaram se Trump planeia usar Camp David ou, em caso negativo, se irá ele encerrar o complexo gerido pela Marinha, cujo orçamento anual é de oito milhões de dólares. Embora os dirigentes locais esperem que ele venha a visitar, não lhes foram dados sinais de que ele o irá fazer, alimentando receios em relação aos custos financeiros e simbólicos dos gostos do Presidente para as viagens.
Apenas um mês depois do início da presidência de Trump, os serviços secretos estão já em dificuldades para proteger Mar-a-Lago e as suas outras propriedades, que não têm esquemas de segurança internos como Camp David. Para os moradores de Thurmont, Camp David foi uma fonte de orgulho, colocando a cidade no mapa mundial, atraindo jornalistas estrangeiros e funcionários diplomáticos prontos a gastar.
Símbolo da democracia
Os historiadores receiam que a preferência de Trump por locais mais atractivos venha a marcar o declínio de Camp David como símbolo dos valores americanos e da democracia deliberativa. Este mês, Trump recebeu o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em Mar-a-Lago, onde os dois líderes foram fotografados a reagir ao teste balístico norte-coreano numa zona de restauração enfeitada no clube.
“Quando se tem um Presidente que é dono de resorts exclusivos, é difícil acreditar que Camp David venha a ser utilizado”, diz o historiador da Universidade Rice, Douglas Brinkley.
O risco é de que, com o passar do tempo, “Camp David não seja mais uma forma de escape do Presidente ou um eixo diplomático para questões importantes”, diz Brinkley. “Está numa situação de espera neste momento.”
Camp David foi inicialmente um projecto do “New Deal”, um local de férias para funcionários federais e as suas famílias. O Presidente Franklin Roosevelt transformou-o em retiro presidencial em 1942, escolhendo o local pelo seu isolamento e segurança, embora o seu médico também tenha dito que o ar da montanha seria bom para tratar a sinusite.
Roosevelt baptizou o local de “Shangri La” inspirado pelo paraíso mítico do romance Horizonte Perdido. “Ele recebeu Winston Churchill em 1943. O líder britânico passou algum tempo a ver Roosevelt cuidar da sua colecção de selos e mais tarde descreveu o retiro como ‘uma cabana de madeira com todas comodidades modernas’”, de acordo com o livro de história de W. Dale Nelson The President is at Camp David.
O nome actual de Camp David foi atribuído pelo Presidente Dwight Eisenhower, que o rebaptizou com o nome do seu pai e do seu neto. Eisenhower tinha uma grande afinidade com o retiro. Ele esteve lá a recuperar após um ataque de coração. Durante alguns dias em 1959, recebeu o líder soviético Nikita Kruschev para conversações. Kruschev pediu para ver a pista de bowling. Também viram filmes.
Tal como Eisenhower, alguns presidentes acabaram por adorar Camp David, tanto como uma fuga de Washington como um local para receber aliados e influenciar adversários. O Presidente Ronald Reagan esteve lá mais de 150 vezes, onde montava a cavalo e recebia a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. O Presidente Harry Truman odiava-o, dizendo aos amigos que era aborrecido.
Para o Presidente Jimmy Carter, o isolamento e a privacidade de Camp David foram factores cruciais para o acordo de paz lá assinado em 1978 entre o Egipto e Israel. Sem a proximidade dos órgãos de comunicação, houve poucas fugas de informação e nenhuma câmara de televisão para a qual posar. Além disso, o Presidente egípcio, Anwar Sadar, não era um amante do ar livre.
“Ele não gostava de ser deixado sozinho na floresta”, contou William Quandt, membro do Conselho de Segurança Nacional de Carter e figura importante naquilo que ficou conhecido como os Acordos de Camp David. “O ambiente claustrofóbico ajudou verdadeiramente as negociações. Eles tinham de chegar a acordo.”
O Presidente George Bush recebeu o Presidente soviético Mikhail Gorbachev para uma série de conversações, jogava ténis e circulava em carrinhos de golfe. O Presidente Bill Clinton organizou uma cimeira falhada entre os líderes israelita e palestiniano em 2000. O Presidente George W. Bush aterrou lá 149 vezes, de acordo com os dados recolhidos pelo jornalista da CBS, Mark Knoller. Após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, Bush foi fotografado com a sua equipa de segurança nacional a usar um casaco azul-marinho enquanto estudava mapas do Afeganistão.
No que respeita à história, o uso que o Presidente Barack Obama deu a Camp David pode ter marcado um ponto de viragem. Embora tenha lá organizado um encontro do G-8, Obama visitou o local apenas 39 vezes. Se os futuros presidentes forem parecidos com Obama ou Trump – mais novos e urbanos ou mais velhos e ricos – Camp David pode ser usado cada vez menos.
“É tão rústico e remoto que as pessoas acostumadas a ficar num Four Seasons não se sentem confortáveis lá”, disse Brinkley. “Obama tinha o Havai e Chicago. Ele gostava de resorts de golfe. Trump tem Mar-a-Lago. Torna-se simplesmente em propriedade do Governo norte-americano.”
Quandt, o responsável da Administração Carter, diz que o país não precisa de locais como Camp David para alcançar acordos diplomáticos importantes. Obama conseguiu acordos com o Irão e Cuba sem sequestrar os líderes desses países na floresta. “Não há nada de verdadeiramente mágico naquele local”, afirmou.
Mas Quandt disse que seria preocupante se as propriedades faustosas de Trump se tornarem o cenário de importantes acordos diplomáticos ou o símbolo global do lazer americano. “Camp David é mais modesto e está mais em linha com aquilo com que os americanos comuns se identificam”, disse. “Muitos de nós conseguem imaginar ir a um sítio como Camp David, umas férias nas montanhas. Muitos de nós não conseguem imaginar ir a Mar-a-Lago.”
Mas talvez esses “americanos comuns” consigam.
Apoiantes percebem Trump
Thurmont é o país de Trump – conservador, fortemente republicano, de origem americana. Os cartazes de Trump ainda estão ao lado dos celeiros. Os restaurantes locais vendem material de Trump. A caminho de Camp David há uma casa com a bandeira dos Confederados em frente.
Até ao momento, Trump nada fez de errado aos olhos dos eleitores daqui – incluindo ter deixado de passar férias perto deles, abdicando de ver um raio de vida na cidade, mesmo a partir do helicóptero, onde os moradores votaram nele para que tornasse a América grande outra vez.
“Não significa nada se ele não vier”, diz Michael Hobbs, co-proprietário da Hobbs Hardware na East Main Street, uma loja que existe desde 1942. “É um estilo de vida ao ar livre por aqui. As pessoas gostam de coisas diferentes, tudo bem.”
Hobbs garantiu ainda que se também ele tivesse alguns milhões de dólares, “não ficaria na floresta”.
De certa forma, não ficar ofendido reflecte alguma da dissonância cognitiva que se desenrolou durante a campanha de Trump, quando ele se dirigia aos eleitores de cidades de Thurmont, com uma mensagem populista e de cariz operário, mesmo que estivesse a ser transmitida por um candidato dado a decorar as suas casas com ouro.
“Não acho que exista algum tipo de falta de ligação se ele não vier”, disse o mayor de Thurmont John Kinnaird. “Não o tomo como uma rejeição.”
Perguntar pela adversária eleitoral de Trump, Hillary Clinton, seja de que forma for, dá origem a uma resposta crítica ou a risos de muitos dos que andam pela cidade.
“Penso que as pessoas iriam ficar desagradadas se ela viesse”, diz o xerife de longa data do condado de Frederick, Chuck Jenkins, que venceu um democrata que o desafiou há três anos. “Mas para ser honesto, tratamos com respeito qualquer pessoa que ande por aqui. Não interessa.”
Mesmo quando Trump faz a terceira viagem da sua presidência a Mar-a-Lago durante o fim-de-semana prolongado, os moradores e os responsáveis da cidade recusam admitir que Trump possa continuar a ignorá-los.
Em breve, dizem, ele irá querer fazer uma viagem rápida de helicóptero para fugir à Casa Branca e passear no bosque com Melania.
Ele terá uma razão financeira para aparecer – a crescente conta da segurança das suas outras viagens.
Até o comparam ao Presidente John Kennedy, notando que o jovem presidente e a sua mulher, Jacqueline, inicialmente preferiam os outros locais do seu círculo próximo antes de acabarem por apreciar a tranquilidade próxima das casas da floresta.
“Ele vai perceber que é um óptimo local”, diz Jenkins. “É um retiro no topo da montanha – caminhos pedestres numa área arborizada, muito calma. É incrível. Se eu estivesse na Casa Branca, esta seria a minha Casa Branca.”
The Washington Post