Críticas aos gastos com as viagens de Donald Trump não convencem os seus apoiantes

O Presidente dos EUA gosta de passar o fim-de-semana a jogar golfe no seu resort da Florida. Os três fins-de-semana consecutivos que passou em Mar-a-Lago custaram mais de 10 milhões de dólares aos contribuintes e cerca de 90% de perda de receitas dos comerciantes locais.

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Donald Trump a sair da Casa Branca, esta sexta-feira, em direcção à conferência anual dos conservadores americanos onde foi discursar LUSA/MICHAEL REYNOLDS

Os mesmos apoiantes de Donald Trump que se escandalizaram com a sua denúncia dos gastos intoleráveis e extravagantes de Barack Obama em deslocações para longe da Casa Branca, encolhem agora os ombros ou simplesmente recusam acreditar que, num mês de mandato, os três fins-de-semana passados pelo actual Presidente dos Estados Unidos no seu clube exclusivo de Mar-a-Lago já tenham custado aos contribuintes norte-americanos mais de dez milhões de dólares. Os cálculos, referentes apenas a transportes e segurança, e apresentados pelo jornal The Washington Post a partir das contas do Gabinete de Transparência Governamental dos EUA, não impressionaram nem convenceram os partidários de Donald Trump que tomaram conta da conferência anual dos conservadores americanos, este fim-de-semana em Washington.

Hipnotizados pelo refrão dos “factos alternativos” e das “notícias falsas” debitado pela Casa Branca para contrariar a narrativa mediática e desvalorizar qualquer história negativa, os eleitores do Presidente dos EUA não vêem nenhuma hipocrisia ou contradição entre as críticas de Trump às férias de Obama e os seus voos semanais para a Florida. “Quando Obama levava o cão a passear no Air Force One ao mesmo tempo que nos dizia para ajudar os pobres, isso sim, era uma chapada na cara de todo o país”, contrapôs Sarah Chaulk, de 60 anos, uma conferencista do Ohio que explicava ao site Vox como ainda se sentia “profundamente zangada” por causa do dinheiro público gasto nas viagens do anterior Presidente e a sua família — “como daquela vez que Michelle Obama e as amigas foram torrar milhões numas férias em Espanha”, completava a sua amiga Elaine Kent (os dois episódios evocados nunca aconteceram).

Pelo contrário, as duas amigas, como muitos outros activistas conservadores e apoiantes de Donald Trump presentes na Conferência de Acção Política Conservadora (CPAC, no original), compreendem que o Presidente precise de descontrair e descansar, e até gostam que o faça nas suas propriedades comerciais — sem se importar minimamente com as questões éticas e os óbvios conflitos de interesses que essas visitas levantam. “Se a imprensa fosse honesta, dizia que Trump se limita a usar os seus recursos e o seu próprio dinheiro para tratar dos nossos assuntos. A mim não me incomoda nada que ele vá passar o fim-de-semana a Mar-a-Lago”, garantia Sarah Chaulk. Depois de tomar posse, Donald Trump passou 25% do seu tempo no seu resort em Palm Springs (em 744 horas de presidência, 186 foram passadas na Florida, contou o Palm Beach Post).

“O Presidente não vai para Mar-a-Lago de férias. O Presidente trabalha todos os dias da semana, independentemente de onde esteja”, justificou Stephanie Grisham, uma das assessoras da Casa Branca. “Fico espantada quando leio que ele foi de férias. O homem está de fato e gravata, claramente a trabalhar”, concorda Elaine Kent, apresentando como provas as fotografias de Donald Trump ao lado do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, a conduzir um gabinete de crise na esplanada do seu clube.

Os dois líderes acabavam de tomar conhecimento de um ensaio balístico realizado pela Coreia do Norte. As imagens dos dois, recolhidas livremente pelos restantes frequentadores do clube e logo publicadas nas redes sociais, geraram polémica por causa das brechas de segurança que evidenciaram — a facilidade de roubo ou pirataria de informação classificada ou planos militares, por exemplo. Mas aparentemente a equipa de comunicação da Casa Branca prefere responder pela exposição da identidade dos agentes dos serviços secretos no Facebook do que justificar as horas que o Presidente passou a praticar o seu desporto predilecto, depois de a imprensa americana recordar as dezenas de mensagens no Twitter de Donald Trump a criticar Obama por jogar golfe.

“Quando eu for Presidente, não vou ter tempo para isso, vou estar a trabalhar para vocês”, prometera aos seus apoiantes num comício de Agosto. Segundo as entidades norte-americanas que fazem verificação de factos (fact checkers), a primeira vez que Obama saiu da Casa Branca para jogar golfe foi a 26 de Abril de 2009, mais de três meses depois de tomar posse (e até ao fim do mandato, jogou mais 306 voltas, diz o Golf Digest). Donald Trump, pelo seu lado, só precisou de uma semana de mandato para viajar até Mar-a-Lago, e desde então já foi visto por seis vezes nos seus campos de golfe.

No fim-de-semana passado, Trump cumpriu um jogo completo de 18 buracos com o campeão norte-irlandês Rory McIlroy, que confirmou que o Presidente fez um total de 80 pancadas, oito acima do Par do campo. Quando serviu de anfitrião ao primeiro-ministro nipónico, Shinzo Abe, Trump jogou duas voltas, uma de nove buracos e outra de 18 (que pode demorar entre quatro e seis horas), informou o The New York Times. Cada dia que o Presidente Trump passa em Mar-a-Lago custa ao gabinete do xerife do condado de Palm Springs 60 mil dólares em horas extraordinárias pagas aos agentes locais.

Naquele afluente condado, as visitas presidenciais tornaram-se um incómodo para os residentes e uma preocupação para os comerciantes e empresários, que se queixam de milhares de dólares de prejuízos com o encerramento do aeroporto e da marina local e o cancelamento de reservas de restaurantes por causa do corte total do trânsito. Segundo a imprensa local, cada fim-de-semana de Trump em Palm Springs significa uma quebra de 90% das receitas dos negócios em torno do seu resort.

Os oito mil habitantes da localidade de Bedminster, Nova Jérsia, onde fica o Trump National Golf Club, tremem com a chegada do Verão e a perspectiva de o Presidente trocar o resort da Florida, que nessa altura será demasiado quente: segundo a imprensa americana, Trump já reservou dez fins-de-semana por ano naquele campo. “Gostaríamos de receber o Presidente de braços abertos, mas não podemos sobrecarregar os nossos residentes com os custos desproporcionados destas visitas”, alertou o mayor Steven Parker, antecipando a possibilidade de ter de pagar 300 mil dólares pelas vindas de Trump.

A decisão da primeira-dama, Melania Trump, de permanecer em Manhattan com o seu filho Barron, representa um custo adicional que anteriores famílias presidenciais não incorreram. O departamento de polícia da cidade de Nova Iorque confirmou que gasta uns impressionantes 500 mil dólares por dia para assegurar a protecção da família do Presidente na Trump Tower. A estimativa oficial da polícia é que a factura chegue quase a 200 milhões de dólares por ano.

Não são só as viagens do Presidente que estão a sair caras ao erário público: as deslocações de Eric e Don Jr Trump ao estrangeiro para promover os negócios da família, são outra pesada factura de segurança suportada pelos contribuintes, através do orçamento do governo federal. Numa visita de duas noites de Eric Trump ao Uruguai, para ver as obras de um empreendimento em Punta Del Este, foram gastos 100 mil dólares do orçamento do departamento de Estado. Ainda não se sabe quanto custou uma paragem dos dois irmãos que agora estão à frente dos negócios Trump nos Emirados Árabes Unidos, para a inauguração de um campo de golfe, mas só a conta de hotel dos agentes dos serviços secretos que os acompanharam foi de 16 mil dólares.

Para o presidente da organização conservadora Judicial Watch, Tom Fitton, “o país está a pagar um preço demasiado elevado pelos negócios de Trump”, e pelas suas viagens para a Florida no avião presidencial (além de jogar golfe, Donald Trump também fez um comício para lançar a sua campanha de reeleição, em 2020). “Como homem de negócios que é, Trump sabe quando custa manter um avião como o Air Force One. Devia pelo menos reconhecer que o seu estilo de vida é muito caro”, diz, notando que a viagem de helicóptero até ao retiro presidencial de Camp David sairia muito mais barata aos contribuintes.

Pelas suas contas, até agora os americanos terão gasto quase 15 milhões de dólares com a família Trump, que em cinco semanas já ultrapassou o montante da média anual de 12,1 milhões de dólares de despesas com os Obama. O valor gasto pelo Presidente Trump corresponde a um sexto do total de 97 milhões de dólares despendidos por Obama nos seus oito anos de mandato.

Como referem comentadores políticos e organizações de transparência, mais complicado do que os valores envolvidos é o conflito de interesses que está por detrás dessa despesa: as empresas Trump estão a beneficiar directa e indirectamente de receitas e lucros de milhões de dólares, pagos pelos contribuintes norte-americanos. As viagens de negócios dos filhos do Presidente são, para a especialista em ética governamental Kathleen Clark, “um exemplo do cruzamento da linha entre o interesse pessoal da família e o interesse público e da Administração. Qual é o benefício público de haver pessoal do departamento de Estado a participar em viagens de negócios privados? Isto levanta o espectro do uso de recursos públicos para benefícios privados”, afirmou ao The Washington Post.

Donald Trump prometeu reter apenas um dólar do seu salário anual de Presidente e doar os cerca de 400 mil dólares anuais a que tem direito, repetindo ao longo da campanha que não ia para a Casa Branca ganhar dinheiro. Mas assim que foi eleito e anunciou a sua intenção de converter o resort de Mar-a-Lago na “Casa Branca de Inverno”, a jóia de inscrição no clube duplicou de 200 mil para 400 mil dólares, e as quotas anuais foram revistas para 14 mil dólares. Para os especialistas, além de configurar um conflito de interesses, a mexida nos preços do clube mostra que Trump está a ganhar dinheiro com a presidência.

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