Quando se desliga este gene, os neurónios crescem

Investigadores portugueses perceberam que um gene ligado à dislexia interfere no crescimento dos prolongamentos dos neurónios. A descoberta pode ser útil para a dislexia mas também para tratar lesões medulares.

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Neurónio com o núcleo a amarelo. Os ramos vermelhos são as dendrites e axónio I3S
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Neurónio produzido in vitro, com excesso de proteína KIAA0319 I3S
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Neurónio produzido in vitro, com a quantidade normal de KIAA0319 I3S

Um dos grandes desafios dos cientistas é encontrar formas de reactivar o crescimento das células nervosas que, depois do desenvolvimento embrionário, perdem essa capacidade. Encontrar soluções para esta limitação pode ajudar a reparar problemas como doenças neurodegenerativas ou lesões na medula. Um grupo de investigadores portugueses investigou um gene que já tinha sido associado à dislexia e percebeu que, quando este gene não está “ligado”, as células nervosas crescem. A descoberta vem descrita num artigo publicado na revista Cerebral Cortex.

No processo de formação, os neurónios migram a um determinado ritmo para os sítios onde devem estar quando somos adultos e estendem um prolongamento de fibra (o axónio) que transmite os impulsos eléctricos para os locais certos. É com esta impressionante e coordenada “instalação eléctrica” que o cérebro se organiza. Às vezes, como sabemos, as coisas não correm de forma perfeita. A dislexia é um problema que surge durante este complexo processo do desenvolvimento embrionário. Em estudos anteriores, os cientistas tinham já concluído que as pessoas que sofrem de dislexia (em Portugal estima-se que afecte uma em cada 25 crianças) têm níveis baixos de uma proteína chamada KIAA0319, que permite que os neurónios recebam sinais do meio que os rodeia. Porém, não se sabia, até agora, qual a função deste gene nas células nervosas.

O gene KIAA0319, que comanda a produção a proteína com o mesmo nome, ficou conhecido pelas suas ligações íntimas à dislexia e pensava-se que a sua função seria controlar, de alguma forma, a migração dos neurónios. “O que mostrámos foi que não controla a migração dos neurónios, controla o crescimento do axónio”, aponta Mónica Sousa, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) da Universidade do Porto, que liderou a investigação.

Para o estudo da dislexia, estas pistas serão exploradas agora por outra equipa do Reino Unido que colaborou no trabalho. Os cientistas podem, por exemplo, experimentar aumentar os níveis desta proteína durante o desenvolvimento embrionário para perceber se isso produz algum efeito na prevenção da dislexia.

Porém, os investigadores portugueses estão centrados sobretudo na regeneração do tecido nervoso e, por isso, apanhando a boleia desta capacidade do KIAA0319, fizeram um desvio para fora do cérebro. “Além do cérebro, este gene é expresso noutras partes do sistema nervoso, na medula espinal, nos nervos periféricos”, explica a investigadora do I3S que quis perceber se esta proteína conseguia fazer com que as células nervosas crescessem num adulto quando é preciso, ou seja, quando existe uma lesão.

Assim, a equipa investigou a acção do KIAA0319 em ratinhos adultos, com experiências in vitro e depois in vivo. “Tínhamos dois tipos de animais: um grupo sem KIAA e uns animais que faziam a sobreexpressão do KIAA. Foram provocadas lesões nos dois grupos e o que mostrámos é que, nos animais sem KIAA, os axónios crescem mais. Regeneram mais facilmente. Nos outros não há regeneração”, explicou ao PÚBLICO.

“Ou seja, a presença da KIAA0319 e a quantidade em que está presente nos neurónios determina o efeito que um sinal pode ter quando chega à célula”, refere o comunicado de imprensa do I3S sobre o estudo. No mesmo documento, Filipa Franquinho Ferreira, a primeira autora do trabalho, esclarece: “A sobreexpressão do gene que codifica a proteína KIAA0319 reduz o crescimento dos axónios – o prolongamento dos neurónios que estabelece conexão com outros neurónios para estabelecer as redes neuronais –; e a subexpressão estimula o crescimento e desenvolvimento de neuritos [os axónios e as dendrites, a árvore de ramificações dos neurónios]”.

Então, menos proteína significa mais crescimento dos axónios das células e isso provoca problemas como a dislexia? “Parece um contra-senso”, admite Mónica Sousa, que sublinha, no entanto, que “crescer mais durante o desenvolvimento não é necessariamente uma coisa boa”. O bom desenvolvimento do nosso cérebro tem de acontecer de uma forma perfeitamente sincronizada e precisa. O axónio de cada um dos neurónios tem de se estender do sítio certo, ao ritmo certo e para o sítio certo. “Se crescerem mais ou menos ou para um sítio diferente é potencialmente mau.”

E agora? Os grupos dedicados à dislexia podem usar este conhecimento para explorar a actuação deste gene e a sua relação com os sinais que recebe, para de alguma forma tentar interferir no processo de desenvolvimento dos neurónios, especula Mónica Sousa. Já a equipa do I3S, vai tentar encontrar formas de “desligar” este gene num modelo animal (adulto), promovendo assim o crescimento dos axónios das células nervosas numa situação em que é preciso que isso aconteça, como é o caso de uma lesão medular. “Vamos montar um ensaio pré-clínico que permita testar alguns inibidores farmacológicos deste gene.”

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