Quem define o sentido e razão de ser da nossa vida?
A morte assistida é uma questão de humanidade e de defesa da dignidade.
Sou definitivamente a favor de, no nosso país, ser legalmente possível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa que tenha uma lesão definitiva ou uma doença incurável e fatal e esteja em sofrimento duradouro e insuportável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde. Sou a favor da possibilidade da morte assistida pelo mesmo motivo que sou contra a pena de morte: por uma questão de humanidade e de defesa possível da dignidade da pessoa humana.
Todos nós – a partir de uma certa idade – já teremos vivido situações de familiares ou de pessoas que nos são próximas em que o fim da vida se arrasta de uma forma dolorosa e extremamente penosa, levando aquele a que está a passar por esse processo a manifestar o desejo de lhe pôr termo por a vida, para si, já não ter sentido.
Compreendo e aceito que todos aqueles que têm uma visão transcendente da vida em que Deus é o sentido último da existência, não possam aceitar que uma vida não tenha sentido porque, no final, existe um Deus que dá ou dará um sentido último mesmo ao mais atroz sofrimento. Compreendo e aceito que para aqueles que consideram que a vida é sagrada e não nos pertence, não seja admissível acelerar o processo da morte para pôr termo ao sofrimento e que, naturalmente, não o façam.
Compreendo e aceito que para esses – e que são muitos, certamente – os cuidados paliativos são a única solução para enfrentar esse fim de vida de sofrimento e dores intensas e insuportáveis. Porque para eles, essas dores e sofrimentos sempre poderão ser minoradas e tornadas toleráveis e, no fundo, a continuação da vida, mesmo nessas condições extremas, sempre terá um sentido mesmo que o não consigamos perceber. Mas gostaria que aqueles que têm uma lesão definitiva ou doença incurável e fatal e se encontrem mergulhados num sofrimento duradouro e insuportável possam ter o direito de pôr termo à sua existência de uma forma decente e humana e não ser obrigados a viver apesar da apaziguadora oferta dos cuidados paliativos.
Claro que esta questão de o fim da nossa vida poder ser uma decisão, não de Deus nem do destino, mas da nossa vontade levanta inúmeros problemas éticos e práticos, independentemente das questões religiosas. Como assegurar que essa decisão corresponde a “uma vontade livre, séria e esclarecida” dessa pessoa? Como assegurar que estamos perante uma “lesão definitiva ou doença incurável e fatal”? E o que é um “sofrimento duradouro e insuportável” ? E um menor também poderá manifestar a sua vontade de pôr termo à vida nessa situação?
Há numerosos países, desde a Holanda e Bélgica, passando pela Alemanha e o Luxemburgo ou ainda a Colômbia e alguns estados dos EUA, em que a morte assistida já se encontra legislada e, naturalmente, a regulação depende de país para país. Em Portugal, ainda, não é legalmente admissível mas, pelo menos, já existe um anteprojecto de lei que podemos discutir e que foi apresentado esta semana pelo Bloco de Esquerda.
O anteprojecto parece cauteloso, desde logo afastando a possibilidade de morte assistida no caso dos menores e estipulando um processo em que intervém, em primeiro lugar, um médico responsável designado por aquele que deseja antecipar a sua morte, que deverá confirmar a situação clínica do mesmo e esclarecê-lo devidamente sobre os tratamentos possíveis para os males que o afectam, bem como sobre a existência de cuidados paliativos. De seguida, poderão, ainda, intervir um médico especialista e um médico psiquiatra, sendo certo que o candidato à antecipação da sua própria morte pode em qualquer momento suspender o processo.
Parece, na verdade, necessário que haja cautelas suficientes para garantir à comunidade que não estamos perante uma qualquer forma de eliminação de pessoas incómodas, fantasma que é sempre agitado nas discussões sobre esta matéria. Por outro lado, para não ocorrer uma “derrapagem” na concessão deste benefício (ou malefício), uma possibilidade sempre agitada na discussão deste tema, prevê o anteprojecto a existência de uma Comissão de Revisão, cheia de juristas, médicos e outros sábios, que irá analisar todos os casos e participar ao Ministério Público os incumprimentos da lei.
A discussão está, assim, lançada em termos concretos.