Ganhar sem bola

A identidade é algo de que os treinadores das grandes equipas dificilmente aceitam abdicar. A priori, no discurso, é uma posição de princípio que faz algum sentido, mas que a prática muitas vezes transfigura. Nesta terça-feira, o Borussia Dortmund obrigou o Benfica a despir o seu fato de gala. Em campo estiveram duas ideias de jogo, dois sistemas distintos e um equilíbrio que durou cerca de 10 minutos. Depois, assistiu-se à imposição clara de uma força dominante, a alemã, sobre um rival obrigado a jogar na especulação. Uma supremacia palpável em quase todos os capítulos do jogo. O resultado, esse, foi uma história à parte.

Thomas Tuchel insistiu no 3x5x2 que não tem dado grandes frutos no passado recente e Rui Vitória lançou o seu tradicional 4x4x2 sem baixar especialmente a linha defensiva. Essa era uma das soluções possíveis para retirar raio de acção a Aubameyang e Reus e reduzir a exposição à profundidade, mas o caminho foi outro. O do costume, na verdade: juntar linhas tanto quanto possível e garantir mobilidade e poder de explosão nas saídas para o ataque, com as esperanças quase todas depositadas em Rafa e Salvio.

Um arranque de jogo muito partido, em ritmo de toca e foge, colocou a nu algumas das fragilidades do Borussia, em especial a imperfeição com que cumpre as transições defensivas. Mas foi sol de pouca dura. A partir do momento em que conseguiram impor critério nas suas acções, especialmente nas saídas de bola, os alemães começaram a construir uma noite quase de sentido único.

Era notório o desequilíbrio. Com Bartra a comandar a primeira linha, sempre com vias de passe abertas para Weigl ou Guerreiro, o Borussia contornava sem dificuldade a pífia pressão “encarnada” e construía à vontade. Depois, com clara superioridade num meio-campo povoado por cinco unidades, aproveitava a itinerância de Dembélé para confundir o Benfica ora com bolas nas costas, ora com futebol apoiado e um jogo interior de qualidade.

Mas foi essencialmente na reacção à perda que os alemães ditaram leis. Com o bloco muito subido, especialmente no segundo tempo, impediram sempre o Benfica de ligar o jogo com eficácia, algo que também se percebe através dos dados estatísticos (o campeão português terminou a partida apenas com 69% de passes certos).

Rui Vitória detectou os desequilíbrios e tentou minimizar danos lançando Filipe Augusto ao intervalo e reorganizando a equipa num 4x5x1 no qual Rafa passou a actuar na ala esquerda. Defensivamente, a estratégia era a de sempre — ainda que a habitual definição da última linha, comandada por Luisão, não tenha feito o rival cair na armadilha do fora-de-jogo. Ofensivamente, o Benfica quase não existia e a solução que encontrou para tentar contornar a pressão alemã foi o futebol directo. De Ederson para Mitroglou, de Ederson para Rafa. Algo que já se tinha visto, por exemplo, frente ao Sporting.

O golo de Mitroglou, num lance de bola parada em que Luisão se libertou com mérito da marcação, não mudou minimamente as bases da partida. Pelo contrário. O Dortmund subiu ainda mais o bloco, variou o centro do jogo com mais regularidade e actuou muitas vezes com cinco unidades perto da área “encarnada”, à espera das “ordens” de Weigl ou Guerreiro. E o Benfica, com mais de meio campo para explorar, nunca foi capaz de lançar as transições com passes longos — porque as saídas em apoio foram sempre anuladas —, desaproveitando o potencial de Cervi ou Jiménez.

Tudo somado, 65% de posse de bola para o Dortmund, 35% para os anfitriões. Uma exibição memorável de Ederson e uma noite para esquecer de Aubameyang. Uma equipa a abusar da sorte na finalização e outra a ganhar praticamente sem bola.     

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