Sobre a banca que temos — e a que gostaríamos de ter
Os emails de Domingues, o voto da Caixa sobre a Soares da Costa e o BPI a falar espanhol dizem muito sobre a banca portuguesa — e os mitos construídos à sua volta.
Um banco público não é o que queremos, é o que é possível e o que as circunstâncias políticas determinarem — essa é a lição número 1 da crise da Caixa Geral de Depósitos, que o Governo já aprendeu. Mas da crise que teve agora epílogo sobram riscos, que terão de ser bem geridos. E do outro epílogo da semana, o do BPI, sobra outra regra: a banca privada não é o que queremos, é o que o financiamento ditar.
Francisco Sá Carneiro
Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados
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Se há coisa que as 150 páginas de emails enviados por António Domingues ao Parlamento provam é que a firma de advogados contratada pelo ex-presidente da Caixa falhou rotundamente numa das suas missões (ela e os serviços jurídicos do Ministério das Finanças). Espere, se calhar é melhor começar assim: pedir a uma empresa de advogados que faça o esboço de uma lei a pedido do presidente da Caixa é, no mínimo, sui generis. E pedir a uma equipa especializada em direito bancário e comercial que trate de uma questão sensível de direito constitucional deu no que deu: andou meses a preparar a exclusão da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto de Gestor Público, mas nunca lhe ocorreu que uma outra lei obrigava a deveres de transparência para com o Tribunal Constitucional. Neste processo legislativo, sobra só esta dúvida: no Governo ninguém se lembrou mesmo da lei de 1983, ou mudá-la dava muito nas vistas?
António Costa
Primeiro-ministro
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Por um minuto, esqueçamos se houve intenção ou consciência do que estava a ser feito. E concentremo-nos no procedimento: é normal que um primeiro-ministro ponha a sua assinatura numa lei negociada com um escritório de advogados, tendo em conta as condições postas por um candidato à presidência da Caixa? Quem aceita o procedimento como normal, pode depois argumentar que houve um equívoco na interpretação do que exigia António Domingues? E é possível argumentar que um primeiro-ministro que tanto quer convencer esse homem a liderar a Caixa, depois não conheça (com detalhe) as suas exigências - sobretudo quando elas passam por alterações legislativas que exigem a sua assinatura? Insisto: esqueçamos se houve intenção ou consciência. Não é grave na mesma?
Mário Centeno
Ministro das Finanças
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O que acima disse sobre António Costa terá de se aplicar, como é evidente, a Mário Centeno. Sim, a documentação esta semana conhecida mostra como as negociações com Domingues foram acompanhadas pelo ministro das Finanças. Mostra também como o ministro percebeu, em Outubro, quanto a questão era sensível — não respondendo directamente à indignação de Domingues, antes pedindo-lhe alternativas. O resultado deu no que deu (e não vale a pena voltar a ele). Mas teria sido bem melhor para todos que Centeno tivesse dito simplesmente o que Domingues acabou por explicar de uma forma diplomática e quase cristã: o Governo aceitou uma condição que se tornou politicamente impossível de concretizar. Tinha poupado o país a uma novela. Tinha poupado os portugueses a uma manobra política — com o desprestígio que isso traz. E tinha poupado a Caixa a um turbilhão tão grande.
Ricardo Mourinho Félix
Secretário de Estado das Finanças
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Entre todos os protagonistas da crise que teve agora o seu epílogo, Mourinho Félix foi o mais coerente. Foi ele quem assumiu que a alteração legislativa era propositada, foi ele quem menos iludiu a existência de um acordo. Mais importante, foi ele quem lutou e negociou as mudanças na Caixa, nomeadamente em Bruxelas e Frankfurt, dando-lhe uma equiparação total à banca privada que era a única maneira de ter luz verde para uma recapitalização sem as consequências de uma ajuda pública. Mourinho Félix perdeu uma batalha no campo político porque a intervenção de Marcelo e a oposição dos partidos à esquerda lhe tiraram espaço de manobra para continuar a defender Domingues. Mas a protecção de Centeno segurou-o, e deu-lhe, com os acertos do último fim-de-semana, um mandato claro para se concentrar nos problemas que se seguem. Deseje-lhe sorte, porque a camisa-de-forças desta maioria política não desapareceu. E vai mostrar-se na Caixa, no Novo Banco e na solução para o malparado.
Paulo Macedo
Presidente da CGD
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Para o novo presidente da Caixa sobrou a mais difícil das missões: com todos estes constrangimentos políticos, que agora se tornaram evidentes, com a imagem da Caixa prejudicada e sem grande espaço de manobra para sair da estratégia de Domingues, Macedo terá de provar aos portugueses que é racional manter a Caixa como um banco público. Desta semana sobra um exemplo para o demonstrar: o voto da Caixa contra o plano de recuperação da Soares da Costa. Tivesse valido e a empresa caía. Do ponto de vista económico, o voto é racional: a Caixa não deve ter créditos parados, que sabe improváveis de cobrar e que a impossibilitam de ajudar outras empresas. E deve fazer o que puder para recuperar o mais possível desse dinheiro. Mas, do ponto de vista político, o voto tinha um risco: o que diriam o PCP ou o Bloco se a Caixa levasse uma grande construtora à falência? É assim: num país habituado a empurrar problemas com a barriga, esta estratégia da Caixa trará desafios. O mais acertado será deixar esta pergunta em aberto: com tantos constrangimentos económicos e políticos, será ainda racional termos um banco público? Macedo dir-nos-á, daqui a uns tempos.
Fernando Ulrich
Presidente executivo do BPI
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O último dos moicanos da banca portuguesa deixa o cargo de presidente executivo do BPI, desatando o difícil nó das relações de poder entre os seus accionistas. No final, venceu o CaixaBank, que ficará com uma posição absolutamente dominante — já sem Isabel dos Santos, mas também sem as vantagens que lhe trazia o banco em Angola. Não se pode dizer que seja um final feliz — as incógnitas do que passará a ser o BPI são maiores do que as certezas. Mas podemos e devemos dizer que Ulrich ultrapassou o cabo da Tormentas: o banco pode já não falar português, mas sobreviveu de pé. É muito mais do que outros poderão dizer. No fim deste processo, fica só mais uma pergunta: onde é que ficaram as promessas e dedicação dos autores daquele estrondoso manifesto contra a espanholização da banca?