“Se me disserem que há um avião daqui a uma hora, eu vou”
Tribunal de Recurso recusou pedido urgente da Administração para a reposição imediata do decreto que baniu cidadãos de sete países muçulmanos. Aos aeroportos começaram a chegar os que antes tinham sido barrados.
Donald Trump voltou a ter motivos para se enfurecer com o poder judicial – um tribunal de recurso federal rejeitou o pedido para a reposição imediata do decreto que proibiu a entrada nos EUA a cidadãos de sete países de maioria muçulmana e suspendeu o programa de acolhimento de refugiados. A decisão indicia que a batalha da Administração norte-americana para cumprir uma das promessas eleitorais do Presidente será mais difícil do que antevia. Mas os milhares que foram barrados durante uma semana não querem arriscar e apressam quanto podem a viagem para os Estados Unidos.
“Há agora uma janela de oportunidade. Ninguém sabe quando a janela se vai fechar. As pessoas que precisam de chegar aos EUA com urgência devem entrar num avião assim que possível”, aconselha Becca Heller, directora de um projecto que apoia refugiados, ouvida pelo Washington Post. A activista sublinha que apesar da suspensão do veto migratório há cidadãos dos sete países visados pelo decreto presidencial – Irão, Iraque, Iémen, Líbia, Somália, Síria e Sudão – que continuam a ter dificuldades em chegar aos Estados Unidos. “Estamos a assistir ao faroeste das leis de imigração. E as pessoas que sofrem são as que precisam desesperadamente de entrar nos EUA”.
Foi o caso de Nael Zaino, um refugiado sírio que passou três dias no aeroporto de Istambul, à espera da autorização para se juntar à mulher e ao filho de 18 meses que vivem nos EUA desde o ano passado. Contou ao Post, que no sábado os funcionários da companhia aérea o impediram pela terceira vez de embarcar. Foi à procura de um lugar para se sentar, mas nesse instante o seu nome foi chamado através dos altifalantes do aeroporto – em Seattle, um juiz federal suspendeu a aplicação do decreto presidencial e as companhias aéreas acabavam de receber ordens para embarcar os passageiros afectados. Já em Boston, onde chegou na noite de sábado o primeiro voo com cidadãos do Médio Oriente, Zaino diz que só teve tempo para pegar nas malas e correr para o avião prestes a levantar voo.
No avião, oriundo de Frankfurt, vinham também 40 iranianos, como Akram Khajehali, que foi a Boston visitar a filha, o genro e a neta de quatro anos, ou a família Jalili, que há uma década esperava visto para emigrar para os EUA. Sábado, quando se preparavam para partir de Teerão foram informados que a filha mais velha do casal, Helya, de 19 anos, não podia embarcar. Em choque decidiram viajar sem ela e foi ainda em lágrimas que chegaram ao aeroporto de Logan, na esperança, contudo, de que a batalha judicial em curso nos tribunais americanos lhes dê tempo para trazerem Helya para os EUA.
À sua espera em Boston, estavam dezenas de pessoas armadas com flores e cartazes de boas-vindas, manifestando a mesma solidariedade que levou milhares de pessoas novamente às ruas de várias cidades para protestar contra o decreto de Trump. Houve também manifestações, pontuais e mais pequenas, de apoiantes ao Presidente, como no aeroporto internacional de Los Angeles, um dos que deverá receber nos próximos dias muitos dos que foram barrados na semana passada.
“Se me disseram que há um avião amanhã, eu vou. Se me disserem que há um daqui a uma hora, eu vou”, dizia à Reuters Rana Shamasha, refugiada iraquiana que deveria ter deixado Beirute na quarta-feira, com a mãe e as irmãs. Tem as malas prontas para partir e nada que a ligue ao Líbano – “já não tenho casa aqui, nem trabalho, nada”.
"Vamos ganhar isto"
Acusado pela oposição democrata de desrespeitar a independência do poder judicial pelas ofensas que dirigiu ao “pseudo-juiz” (como lhe chamou) James Robart e à sua decisão “ridícula”, Trump não se deixou demover. “O juiz abriu [as fronteiras] do nosso país a potenciais terroristas e a outros que não têm as melhores intenções. As más pessoas estão muito contentes”, voltou a escrever no Twitter. Aos jornalistas que o interrogaram durante o fim-de-semana em Palm Beach garantiu: “Vamos ganhar isto. Pela segurança do nosso país, vamos ganhar”.
Mas pouco depois caía a notícia de que tinha sido rejeitado o recurso apresentado pelo Departamento de Justiça, a pedir a suspensão imediata da decisão de Robart, com a alegação de que a decisão do juiz federal “constituía uma intrusão inadmissível nos poderes políticos do Presidente”. O Tribunal de Recurso federal não se pronunciou sobre o teor do recurso, mas apenas sobre o seu carácter de urgência, tendo decidido aguardar pelas alegações quer do Governo quer dos estados de Washington e Minnesota – na origem do processo que levou à suspensão do decreto.
A decisão pode ser revertida em breve, mas o Washington Post recordava que o decreto presidencial de Trump está a ser alvo da mesma contestação que levou ao bloqueio da ordem assinada pelo ex-Presidente Barack Obama para impedir a deportação de imigrantes em situação irregular. Na altura, o processo foi desencadeado por procurador-gerais republicanos. “Agora os jogadores estão em campos diferentes e são os procuradores democratas e os grupos de apoio aos imigrantes que lideram a luta contra Trump a celebrar uma decisão de um juiz federal.”