BE avança com recomendação e PCP cria grupo para avaliar PPPs na saúde

Projecto de resolução que Bloco de Esquerda vai apresentar não tem efeitos vinculativos. PSD não esclarece o que vai fazer, mas garante que não vai servir de "muleta" do Governo.

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Bloco e PCP querem acabar com todas as PPP na saúde Rui Gaudêncio (arquivo)

O Bloco de Esquerda (BE) e o PCP já estão em campo para tentar que a decisão do Governo sobre a parceria público-privada (PPP) de Cascais seja alterada, mas não só. O objectivo é bem mais amplo: os dois partidos querem acabar com todas as PPP na saúde e reverter a gestão dos quatro hospitais actualmente geridos por privados (além de Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira) para a esfera pública.

Se o objectivo é semelhante, as metodologias são distintas: enquanto o BE decidiu avançar com uma iniciativa legislativa e está a preparar um projecto de resolução que recomenda o fim das PPP e entrará no Parlamento “nas próximas semanas”, segundo afirma Moisés Ferreira, o responsável pela área da saúde no partido, o PCP optou por criar um grupo de trabalho no Parlamento para avaliar todas as parcerias do ponto de vista da prestação dos cuidados de saúde, explica a deputada Carla Cruz. O grupo, já aprovado e na fase de escolha dos membros, vai ouvir uma série de entidades, nomeadamente representantes dos utentes do hospital.

Quanto à iniciativa do BE, um projecto de resolução é uma mera recomendação ao Governo para que legisle num determinado sentido e não tem efeitos vinculativos, como aconteceu com a polémica TSU. Também não será possível revogar o despacho já publicado para o lançamento de um concurso público internacional para uma nova PPP, decisão que é da exclusiva competência do Governo.

Seja como for, o deputado do BE está convencido de que esta será uma forma de pressionar o Governo e convencê-lo a mudar de ideias. “Se a Assembleia da República se pronunciar contra a existência de PPP na saúde, isso terá força suficiente para que o Governo recue na sua intenção”, acredita Moisés Ferreira.

Apoio inesperado

Os dois partidos contam neste combate com um apoio inesperado. O PSD admite, por enquanto, que está à espera da iniciativa anunciada pelo BE para olhar para “os termos” em que será apresentada, afirma Miguel Santos, vice-presidente da bancada parlamentar do partido. Mas o deputado com o pelouro da saúde tem dúvidas quanto à força desta iniciativa, estabelecendo um paralelo com o pedido de apreciação parlamentar ao processo da Carris, “que foi anunciado como sendo um pedido de revogação e depois culminou com umas pequenas alterações, com uma eficácia quase nula”.

“A nossa posição de princípio é muito simples: a maioria parlamentar tem que resolver o problema criado. O que o PSD não vai ser é a muleta [do Governo] para resolver esta questão”, garante Miguel Santos. Isso significa que podem votar ao lado do BE e PCP? “Depende”, responde, notando que o PSD “nunca celebrou qualquer contrato” em parceria com privados na saúde.

As PPP na saúde começaram por ser lançadas em 2001 no Governo liderado por António Guterres e quando era ministro da Saúde Correia de Campos, mas avançaram já durante o Governo de Durão Barroso, em que o ministro da tutela era Luís Filipe Pereira, que até anunciou uma segunda vaga de hospitais geridos em PPP, que não foi concretizada.

“O PCP regista a incoerência do PSD, mas há males que vêm por bem”, reage Carla Cruz, que lembra que os social-democratas chumbaram no passado propostas para a reversão do Hospital de Braga para a esfera pública. “Qual é o objectivo do PSD?”, questiona também Moisés Ferreira. “É a guerrilha político-partidária ou mudaram de decisão?”

"Poupança não é dado garantido"

Moisés Ferreira, que já leu o relatório intercalar da equipa das Finanças, considera que, apesar das conclusões favoráveis, a avaliação permite concluir que a gestão privada deste hospital “não tem sido benéfica”. Há indicadores em que o Hospital de Cascais está “bem pior “do que os hospitais com gestão pública com que é comparado, como a sépsis pós-operatória, recorda. E o estudo também demonstra que, “se o hospital fizesse aquilo que faz hoje, aos preços actuais, seria mais caro”. Por isso, sintetiza, “com um novo contrato a preços actuais, a poupança não é um dado garantido”.

O deputado defende ainda que a análise deve levar em conta outros aspectos. E dá exemplos: se um hospital cortar a despesa com os materiais que usa e com os profissionais vai apresentar um melhor desempenho económico, mas “à custa da qualidade”. Em Cascais, frisa, “a maior parte dos enfermeiros está a recibo verde” e alguns profissionais “já denunciaram que o material era do mais barato”.

Moisés Ferreira questiona igualmente a fiabilidade da comparação efectuada pela equipa da UTAP. Nos hospitais públicos, nas contas estão incluídos os gastos com a manutenção dos edifícios e dos equipamentos, com a formação de médicos internos, com a investigação, o que pesa nos custos por doente-padrão que servem para a comparação com as PPP, onde estes gastos não estão contabilizados. O que se compara aqui são “realidades muito diferentes”, enfatiza, considerando que o mais importante, para tomar uma decisão, devem ser os indicadores de qualidade assistencial, não os técnico-financeiros, que são o foco da análise da UTAP.

O deputado lembra também que as PPP possibilitam aos grandes grupos económicos “ganhos de escala” que permitem a compra de equipamentos e de materiais a melhores preços e uma “injecção anual de capital” que lhes dá “capacidade de endividamento e financiamento para o lançamento de novos hospitais privados”, unidades essas que concorrem com as do Serviço Nacional de Saúde.

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