O crescimento discreto dos mórmones em Portugal
Vieram em 1975, altura em que se reuniam num hotel de Lisboa e nem capelas tinham. Hoje afirmam que são mais de 40 mil. A Igreja Mórmon será das igrejas minoritárias cristãs que mais estão a crescer. Razão? O seu conservadorismo, explica o líder em Portugal.
Saíram de casa numa noite fria de Inverno para uma aula sobre o livro de Isaías. São jovens, mulheres e homens, têm entre 18 e 30 anos e vão ouvir Joaquim Moreira, o líder da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD) em Portugal e Cabo Verde. O edifício daquela que é mais conhecida por Igreja Mórmon fica no meio de uns prédios no centro do Cacém, subúrbio de Lisboa. Discreto, todo pintado de branco, tem uma placa à entrada a identificá-la. “Todos são bem-vindos”, lê-se.
Lá dentro, na capela, os cerca de 30 jovens, com tablets ou telefones, vão rindo da forma bem-humorada com que Joaquim Moreira ensina. “A coisa de que mais gosto é de fazer rir”, diz ao PÚBLICO. O élder, ordem maior do sacerdócio, chegou a ser palhaço profissional e a fazer espectáculos com o irmão. “Vai dizer que o responsável da igreja é palhaço!”, comenta, obviamente a rir. A sala é ampla e sem imagens porque os mórmones acreditam num Cristo vivo, que “venceu a cruz”, e devem adorá-lo como tal, não como “alguém sofrido”, explica.
Entre as viagens mensais para presidir às conferências de estaca (equivalente a diocese), a capela do Cacém é paragem semanal. Ele é também um dos setentas que estão actualmente na Europa e o responsável eclesiástico pela igreja em Portugal e Cabo Verde. Os mórmones dividem-se assim hierarquicamente: um líder, a quem chamam profeta, que tem dois apóstolos conselheiros; 12 apóstolos que formam um quórum; e os setenta, líderes que se compõem em quóruns com até 70 homens que viajam pelo mundo (neste momento há oito quóruns de setentas).
Joaquim Moreira conduz a SUD há quatro anos. O “chamado eclesiástico” de um líder com a sua posição é de cinco anos para não criar “maus hábitos ou status”. Os requisitos são cumprir os mandamentos e ter uma família estruturada – e ser convidado, neste caso pela presidência da área da Europa. “Ser mórmon é uma condição de vida. Temos padrões de conduta, de saúde, uma fé imensa”, explica.
Fundada nos Estados Unidos por Joseph Smith, em 1830, a Igreja Mórmon está oficialmente em Portugal desde 1975 — o primeiro membro baptizado foi em 1965, diz o élder, e isto explica-se com a presença americana na base das Lajes, nos Açores. Joaquim Moreira está, de resto, a fazer uma tese de mestrado na Universidade Lusófona sobre a história dos mórmones em Portugal porque não há nenhuma. Segundo conta, o primeiro grupo de mórmones era constituído por retornados de Angola e Moçambique.
Agora é uma das igrejas minoritárias cristãs que mais estão a crescer em Portugal, afirma Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, onde foi criado recentemente o Instituto de Cristianismo Contemporâneo (um dos objectivos é estudar estas mudanças nas religiões cristãs). O especialista comparou dados das instituições religiosas, já que não há números oficiais. “São precisos dados mais sólidos”, defende.
A nível mundial, as estatísticas dizem que de três em três anos os mórmones crescem um milhão de membros e não há outra igreja cristã que cresça assim, segundo o élder. A média anual em Portugal são cerca de mil novos membros, por isso serão hoje entre 40 e 45 mil (a emigração e imigração provocam oscilações). No total, 80% dos mórmones em Portugal são portugueses, mas em relação aos novos membros essas percentagens invertem-se: serão os imigrantes a grande fatia. As taxas de abandono são desconhecidas, o percurso activo é de 20 anos em média.
"A Igreja deixou de ser estranha”
Joaquim Moreira é mórmon desde 1982, ano em que aderiu a esta religião que se baseia na Bíblia e no Livro de Mórmon, daí o nome pelo qual é conhecida. Fê-lo através do irmão, o primeiro a converter-se numa família de católicos. Tinha 16 anos.
Na prática e doutrina há várias questões que distanciam os mórmones dos católicos, dos evangélicos e dos protestantes, explica. “Todas as outras igrejas acreditam que a trindade é um só Deus, apesar de se referirem a Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo." Para um mórmon, "são três entidades distintas, três personagens”. O Deus de um mórmon “chora”, “ri”, “tem sentimentos e conta uma anedota”, continua. “Não é uma entidade que não sabemos explicar, o caso comum no cristianismo. Definimos Deus como um homem, com corpo de carne e ossos, porém perfeito, ressurrecto – Cristo morreu e ressuscitou e acreditamos que este corpo se mantém. Mais nenhuma outra entidade cristã acredita nisto.”
Em Portugal não existem grandes conflitos com o calendário católico, diz o élder, que se “orgulha” da “paz religiosa em que Portugal vive”. Porém, a lei da liberdade religiosa não permite que uma escola secundária tenha aulas de determinada religião com menos de 15 alunos – por isso, em determinadas zonas, todos os dias entre as 7h e as 8h, há classes de seminário para mórmones.
Não podem beber chá preto, café, álcool, drogas, nem fumar. E isto é um mandamento, hoje mais pacificamente entendido do que era antes, acredita o élder. “Aconselhamos os membros a cuidar da sua saúde.”
No primeiro domingo do mês recomenda-se o jejum, e o dinheiro que se gastaria nas refeições é doado à igreja, para um fundo mundial usado para ajudar quem precisa. “Se uma família no Cacém fica desempregada, temos orçamento para ajudar. Costumo dizer ao responsável da capela do Cacém que ele é responsável por todas as pessoas, não apenas pelos membros.” Há um ano que existem bolsas para jovens estudarem na universidade.
Os mórmones pagam ainda o dízimo, 10% dos rendimentos anuais, e é com ele que a igreja se sustenta, embora alguns gastos em Portugal sejam financiados pela sede em Salt Lake City.
Com 77 capelas, 12 delas criadas nos últimos 10 anos, e 25 Centros de História da Família (onde as pessoas podem aceder à sua genealogia; os mórmones acreditam que o evangelho pode ser pregado a quem morreu) Portugal terá em breve um templo, onde só entram mórmones. Apenas nos templos são feitos os selamentos, união entre casais de sexo diferente, que nem a morte separa. Vai somar-se aos quase 200 que já existem no mundo – a primeira pedra, no Parque das Nações, foi lançada em 2015 e a data de conclusão prevista era então 2018. Será um marco da sua consolidação em Portugal, já que nem todos os países têm um.
Aos 44 anos, Teresa Quinteiro, mórmon desde os oito, lembra uma época em que nem sequer havia capelas como agora. As reuniões eram no Hotel Roma, em Lisboa. “Creio que a Igreja deixou de ser estranha”, comenta sobre o crescimento. E hoje, em Portugal, “estamos também muito mais abertos a outras culturas e religiões”.
Para o élder, o crescimento dos mórmones “é muito fruto dos membros e dos missionários que dão dois anos da sua vida” a tentar alargar a comunidade. “Não lhes pagamos nada.” As irmãs de Souza, brasileira, e Anderson, americana, agora em missão em Portugal, explicam que convidam pessoas a juntarem-se à igreja. “Não assistimos televisão, não usamos Internet a não ser uma vez por semana para comunicar com a família.” E em Portugal têm conseguido trazer mais gente.
Castidade, poligamia
O factor de sucesso explica-se por a Igreja Mórmon ser “uma das instituições cristãs mais conservadoras do mundo”, analisa Joaquim Moreira. “Não abdicamos dos nossos princípios, das normas de como vivemos. Não mudamos por causa do dito desenvolvimento social, cultural", diz. Um élder pode casar-se e constituir família, não está sujeito ao celibato como os padres no catolicismo. Mas os mórmones também seguem a regra da castidade antes do casamento, o que vai igualmente impedir as relações entre pessoas do mesmo sexo. Há tempos houve uma polémica nos Estados Unidos – a igreja aconselha ao não baptismo de menores de 18 anos filhos de homossexuais. "Os princípios que ensinamos iam contra os princípios que vivem em casa”, defende o élder.
No imaginário colectivo perdura ainda a ideia de que são polígamos. A poligamia foi, de facto, praticada abertamente de 1840 a 1904 (ano em que foi explicitamente proibida pela igreja). Ainda hoje, por isso, perguntam a António Paulo, responsável pela “iniciativa da auto-suficiência” e pelo “fundo perpétuo de educação”, quantas mulheres tem. “É mesmo muito comum”, diz.
A área que António Paulo lidera corresponde a uma preocupação: que as pessoas sejam independentes. E esta preocupação explica, para alguns, outra faceta que faz com que a igreja seja atractiva: a intervenção social. Ajudam inclusivamente a montar um negócio. “Tentamos mostrar às pessoas que a capacidade de mudarem também depende delas.” Em 2016, passaram pelos cursos 1200 pessoas.
Já em relação às mulheres não é permitido o sacerdócio, mas nesta igreja existe “a maior organização de mulheres do mundo”, a Sociedade de Socorro, com uma presidência sempre feminina, nas palavras do élder. Paula Costa, 48 anos, mórmon desde os 19, presidente da Sociedade de Socorro desta estaca, diz que ensinam as mulheres a estudarem até onde puderem. “Somos incentivadas a alargar os nossos horizontes: fazemos cursos de todo o tipo, de defesa pessoal, de cozinha, de economia doméstica...”
A Osvaldo Correia, cabo-verdiano de 26 anos que esta noite veio à capela do Cacém em “pesquisa”, interessam-lhe respostas a perguntas que tem dentro dele. Há um mês que frequenta as aulas, mas foi em Cabo Verde que tomou o primeiro contacto com os mórmones. Operário de armazém, está na expectativa: no meio de muitas igrejas e religiões “convém ser levado pelo sentimento, mas analisar as coisas, a doutrina, à luz da escritura”. Tem visitado várias igrejas e, por enquanto, não pretende fixar-se nesta. “Sou um adepto da verdade”. E continua a questionar-se: “Quem me diz que esta é a igreja verdadeira?”