Queixa à Comissão Europeia sobre Almaraz tem pouco efeito prático, diz jurista
Ana Cristina Figueiredo diz que a demora deste tipo de processos, onde o incumprimento diplomático e jurídico da legislação em vigor é posto em causa, pode ter um “efeito nulo” por não ter um efeito suspensivo.
A queixa que Portugal vai apresentar à Comissão Europeia sobre a construção por Espanha de um armazém para resíduos nucleares, em Almaraz, deverá ter pouco efeito prático, sendo mais de valor simbólico disse, esta segunda-feira, uma jurista.
"A queixa terá um valor provavelmente pouco mais que simbólico, será uma tomada de posição ao nível do Estado português, que é desejável, mas terá, muito provavelmente, um escasso efeito prático", explicou à agência Lusa Ana Cristina Figueiredo.
A 4 de Janeiro, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, anunciou que Portugal iria apresentar uma queixa a Bruxelas contra Espanha relacionada com a construção de um armazém de resíduos nucleares para apoio à central de Almaraz, uma decisão reforçada com o fracasso de uma reunião com a ministra espanhola na semana passada.
Em causa está a falta de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço daquela construção, como estipulam as regras europeias para este tipo de construção.
"A tramitação das queixas, mesmo apresentadas por um Estado membro, como será o caso, é complexa e sobretudo muito demorada", referiu a jurista com formação em direito ambiental.
Como o processo é demorado e não tem efeito suspensivo, a queixa "acaba por ter um efeito prático nulo, em termos de alteração ou inviabilização de projectos, como este", acrescentou Ana Cristina Figueiredo.
"Quando muito, uma vez que estas queixas podem ser acompanhadas de sanções pecuniárias compulsórias, a esse nível pode ter algum efeito junto de Espanha, nomeadamente dissuasor, por exemplo, em termos de suspender a tramitação e o procedimento em curso e resolver, por exemplo corrigir o estudo", especificou.
Existe uma convenção assinada nos anos 90 e acolhida pelo direito português e espanhol e mais recentemente foi definida legislação sobre avaliação de impacto ambiental, igualmente transposta nos dois países, em 2013.
A jurista explicou que, no anexo daquela directiva é feita referência a projectos com estas características, ou seja, um armazém temporário individualizado, planeado para mais de dez anos, e em localização que não é o local de produção, estando a instalação sujeita a avaliação de impacto ambiental, também ao nível transfronteiriço.
Espanha "ignorou completamente a posição do Estado português, os compromissos assumidos e os interesses de saúde pública e segurança do Estado e respectiva população", segundo Ana Cristina Figueiredo, que esteve muitos anos ligada à Quercus e é fundadora da associação ambientalista Zero.
Se a Comissão Europeia considerar que existe uma infracção ao direito da União Europeia, notifica o Estado membro, que é convidado a apresentar as suas alegações, num prazo de dois meses, que pode duplicar. Depois de avaliar, a Comissão pode dar início à fase contenciosa, propondo uma acção por incumprimento contra o Estado-membro junto do tribunal europeu.
A especialista recordou que todos os partidos no Parlamento foram unânimes em considerar que houve um incumprimento diplomático, mas também jurídico, da legislação relativamente a esta instalação, e deverá ser este o fundamento da queixa de Portugal.