Abe vai a Pearl Harbor em sinal de reconciliação e não para pedir perdão

Primeiro-ministro japonês e o Presidente Barack Obama vão visitar memorial do ataque que fez os Estados Unidos entrarem na II Guerra Mundial.

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O memorial USS Arizona HUGH GENTRY/REUTERS
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Abe e Obama e Hiroxima, em Maio Carlos Barria/REUTERS

Shinzo Abe visita hojePearl Harbor com Barack Obama, no Hawai, a base norte-americana bombardeada por 353 japoneses há 75 anos. O ataque, sem aviso prévio, matou mais de dois mil soldados americanos e causou um profundo choque nos Estados Unidos, que declarou guerra ao Japão no dia seguinte, 8 de Dezembro de 1941. Foi o início de uma cadeia de acções que conduziram, quatro anos mais tarde, à utilização pelos EUA de duas bombas atómicas no Japão — em Hiroxima e Nagasáqui, quando a guerra estava praticamente terminada.

A decisão americana de usar a bomba atómica — uma arma nova, nunca testada num cenário real, e com efeitos devastadores — ligou os dois países por laços estreitos. Os EUA tornaram-se a potência ocupante (1945-52), no fim da guerra. Depois de saírem, comprometeram-se a garantir a segurança da nação nipónica que, por seu lado, renunciou ao direito de ter um exército e à possibilidade de voltar a fazer a guerra — um princípio que foi inscrito na Constituição.

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Navios da Marinha americana durante o bombardeio a Pearl Harbor Marinha dos EUA/REUTERS

Esse acordo firmado no pós-II Guerra dura há sete décadas. E como uma corda que se estica cada vez mais, começa a ceder e a perder força: Abe é um nacionalista que quer mudar a Constituição, para dar novo fôlego às forças armadas no seu país. E quer que as futuras gerações japonesas deixem de ter de pedir desculpa pelo que fizeram os seus avós. O primeiro-ministro japonês quer acabar com a “era do Pós-Guerra”.

Na visita ao memorial USS Arizona, o navio de guerra em que mais americanos morreram no ataque a Pearl Harbor, não se espera que Abe peça desculpa pelo ataque — tal como Obama não pediu perdão pelo bombardeamento de Hiroxima, quando visitou a cidade, em Maio passado. “A visita vai expressar o valor da reconciliação entre o Japão e os EUA”, explicou o ministro japonês da Presidência, Yoshihide Suga.

É um sinal de normalização que o primeiro-ministro japonês quer dar. “Desde 2004 que franceses, americanos e alemães lembram a Guerra juntos na Normandia. É um sinal de reconciliação e compromisso que as relações entre os EUA e o Japão também tenham chegado a este ponto”, disse à Reuters Jennifer Lind, professora de Diplomacia Asiática na Universidade de Dartmouth (EUA). “Estas visitas, no entanto, não provocam a reconciliação. É o oposto: a reconciliação é que está na origem destas visitas”, sublinhou a investigadora.

No Japão, o ataque a Pearl Harbor não é um acontecimento histórico muito conhecido. A maior parte dos estudantes japoneses visitam Hiroxima ou Nagasáqui, mas o bombardeamento que levou os EUA a declarar guerra ao Japão merece apenas uma ou duas linhas nos manuais escolares, relata o New York Times.

Se a normalização da memória em relação aos EUA avança a passos largos, em relação à China ou a outras nações asiáticas, onde o Japão foi um agressor, ainda não acontece — embora o acordo de Dezembro de 2015, que prevê o pagamento, por parte do Japão, de nove milhões de dólares à Coreia do Sul para a criação de uma fundação que apoie as chamadas “mulheres de conforto”, forçadas a prostituírem-se para os soldados japoneses durante a II Guerra Mundial, tenha sido um princípio.

Urgência diplomática

Mas há também traços de urgência nesta visita de Abe. “Toda a comunidade de relações internacionais japonesa está ansiosa por enviar uma mensagem, a todo o mundo mas em especial ao Presidente eleito norte-americano, de que a aliança EUA-Japão está forte e só pode ser ainda mais forte”, disse à Reuters o professor da Universidade Sophia de Tóquio, Koichi Nakano.

Enquanto candidato à presidência, Donald Trump, um político isolacionista, criticou a visita de Obama a Hiroxima: “Alguma vez o Presidente Obama discutiu o ataque furtivo a Pearl Harbor quando esteve no Japão? Perderam-se milhares de vidas americanas”. Também lançou o pânico ao dizer que as nações asiáticas deviam pensar em fazer as suas próprias armas nucleares, em vez de contarem com as forças dos EUA — comentários que depois negou.

Finalmente, Trump opõe-se à Parceria Trans-Pacífico (TPP), o tratado comercial entre os EUA e 11 países asiáticos, assinado em Fevereiro de 2016. Promete retirar os EUA deste tratado recém-assinado. Já Abe assumiu o TPP como uma prioridade da sua política de comércio internacional.

“As relações comerciais entre o Japão e os EUA podem piorar consideravelmente”, comentou à Bloomberg Hiromichi Shirakawa, economista chefe do Crédit Suisse em Tóquio. Mas a sua evolução deverá depender de como Abe reagir às novas posições diplomáticas da Casa Branca face à Rússia e à China.

A entrada de Trump na Casa Branca preocupa os japoneses, que temem que os laços entre as duas nações percam consistência. Uma sondagem Gallup-Yomiuri, de Dezembro, mostra que 41% dos japoneses considera que as relações vão pior; a mesma percentagem de norte-americanos concorda.

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