A importância da palavra perdão para as “mulheres de conforto”
As antigas escravas sexuais dos bordéis militares japoneses estão convencidas que a morte vai chegar antes de um pedido de desculpas pelos crimes a que foram sujeitas durante a Segunda Guerra Mundial.
Kim, de 90 anos, é uma das 47 sul-coreanas ainda vivas que foram “mulheres de conforto”. Eram assim chamadas eufemisticamente, estas verdadeiras escravas sexuais mantidas à força nos bordéis japoneses. Kim é uma das 238 mulheres que decidiram quebrar o silêncio e vencer a vergonha para contarem as suas histórias de abuso.
Muitas delas rejeitam o termo prostituição como inadequado, dizendo que foram enganadas e forçadas a abandonar as suas casas para serem mantidas cativas e exploradas sexualmente.
Os estudiosos continuam a debater o número de mulheres que foram exploradas sexualmente, mas os activistas apontam para cerca de 200 mil vítimas coreanas. Na China, as estimativas são mais vagas, mas também é avançado um número à volta dos 200 mil, entra as quais os historiadores já identificaram 200 mulheres.
Enquanto os vizinhos asiáticos aguardam pelo discurso de Abe, no dia 15 de Agosto, a assinalar o fim da guerra há 70 anos, o tempo está a esgotar-se para estas mulheres que vêem nesta data a última oportunidade de ouvirem de um líder japonês uma admissão de culpa ou um pedido de perdão.
“Não sabia que iria demorar tanto tempo… se soubesse não teria contado a minha história”, disse Kim à Reuters. “Até isto estar resolvido, não vamos ser verdadeiramente libertadas.”
Kim tinha 14 anos quando um polícia japonês e um soldado apareceram na sua casa rural, exigindo-lhe que os acompanhasse para ir trabalhar numa fábrica de uniformes militares. “A minha mãe protestou: ‘Ela é tão pequena, o que é que ela pode fazer na fábrica?’ Mas eles disseram que eu podia aprender, que ia tudo correr bem, e foi assim que eu acabei por ir, pensando que ia ser só por alguns dias”. Em vez disso, esteve fora de casa durante sete anos, mantida presa em bordéis militares na China, Indonésia e Singapura.
Os conservadores japoneses, incluindo Shinzo Abe, dizem que não há provas de um envolvimento directo do Exército ou do governo japonês no rapto destas raparigas. Para Abe basta o pedido de desculpas de 1993 feito pelo chefe de gabinete Yohei Kono que admitiu o papel das autoridades japonesas na coerção das mulheres. Em 1995, o Japão estabeleceu um fundo que oferecia cartas de desculpas assinadas por primeiros-ministros e ajuda financeira a mulheres a título individual.
Na China, Ren Lane, que vive na província de Shanxi, manteve secreto durante quase toda a sua vida o facto de ter sido levada da sua aldeia quando tinha 15 anos e ter sido repetidamente violada por soldados japoneses durante a guerra. Um pedido de desculpas do Japão servir-lhe-ia de pouco conforto e não espera viver até ao dia em que isso possa acontecer.
O seu filho, Liu Wanchang, garante que o governo nunca entrou em contacto com a ela para saber da sua história, apesar da recente atenção dos media. A família diz que as autoridades ignoraram a situação de Ren e de outras mulheres quando a China estava a tentar normalizar as relações com o Japão na década de 1980.
Nas últimas décadas China tem publicado regularmente documentos que detalham as acções japonesas contra as “mulheres de conforto”. E agora, antes do dia 3 de Setembro em que Pequim celebra o fim da guerra com o Japão, o governo de Xi Jinping diz que vai publicar novas confissões de “criminosos de guerra” japoneses sobre mulheres que foram forçadas a viver em bordéis.
Levada da sua casa em Pyongyang aos 13 anos, Gil Won-ok passou cinco anos em bordéis militares japoneses na China. Agora recusa-se a falar daqueles anos. “Se recebêssemos um pedido de perdão, isso iria permitir-nos fechar os olhos”, disse, sentada na casa que partilha com Kim em Seul. “Mas duvido que isso aconteça facilmente.”