Gasta-se menos com alimentação e mais com a casa, a luz e o gás

A habitação, água e luz pesam quase 32% no bolso das famílias portuguesas, mas os mais penalizados são os idosos que gastam nisso 41,5% do seu rendimento. Inquérito do INE mostra que o peso da alimentação caiu para metade em 26 anos e que portugueses também gastam menos em saúde.

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A habitação representa o maior custo na despesa das famílias portuguesas Paulo Pimenta

As despesas com a casa, transportes e produtos alimentares absorvem quase dois terços (60,9%) do orçamento das famílias, mostram os resultados de um inquérito ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), feito entre Março de 2015 e Março de 2016. Uma análise temporal mais alargada mostra que o peso da alimentação no bolo dos gastos familiares caiu para metade em 26 anos: em 1989/90, era de 29,5%; actualmente representa apenas 14,4% do total. Já os custos com habitação, electricidade, água, gás dispararam. São um terço da despesa dos agregados (31,8%) contra apenas 12,4% em 1989/90.

O nutricionista Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral de Saúde, explica que em situação de crise económica “as pessoas reduzem a carne de vaca e comem mais frango, escolhem variedades de peixe mais acessíveis, optam pelas marcas brancas e, nos restaurantes, bebem cerveja em vez de vinho”.

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A dúvida, diz, é se uma quebra desta dimensão traduz um consumo alimentar mais racional e ponderado ou se o peso da rubrica diminuiu porque aumentou o rendimento disponível das famílias.

“É uma quebra muito violenta”, diz Pedro Graça. “Mas estamos a falar de um período de tempo muito alargado. Pode ter acontecido que, como houve um aumento do rendimento médio, as pessoas consumam o mesmo em alimentação, mas que a despesa tenha passado a pesar menos no orçamento.” Já Ana Cid, secretária-geral da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, não tem muitas dúvidas. “Em crise, as famílias começam a pôr mais arroz e mais massa na mesa”, afirma, a propósito destes números do Inquérito às Despesas das Famílias 2015/2016, que abrangeu 11.398 agregados.

Natália Nunes, do gabinete do sobreendividamento da Deco — Associação de Defesa do Consumidor, acrescenta que os estudos da Deco apontam os 220 euros como valor médio da despesa mensal com alimentação numa família com três ou quatro elementos. “É muito reduzido. As pessoas estão a comer pior, sobretudo por causa do esforço que fazem para honrar outros compromissos, nomeadamente com a casa.”

A responsável da Deco acredita, porém, que menores gastos com alimentação não significam necessariamente que se esteja a comer pior. “As pessoas comparam mais os preços, levam listas de compras e perderam o estigma relativamente às marcas brancas.”

A derradeira despesa

A habitação é a despesa que mais prepondera no orçamento das famílias, absorvendo, sozinha, 31,8% dos orçamentos. Sendo o mais elevado, o custo com a habitação é também a derradeira despesa que as famílias deixam de cumprir. “Podem deixar de pagar os cartões de crédito e os créditos pessoais, cortar na alimentação, vestuário e medicamentos, mas só em última instância é que deixam de pagar casa, água e luz ou gás”, diz Natália Nunes. Ao gabinete do sobreendividamento da Deco chegaram, até final de Outubro deste ano, 26 mil pedidos de ajuda, e, segundo Natália Nunes, o crédito para a compra de habitação corresponde a cerca de 80% do crédito concedido a particulares.

Entre os mais penalizados com o peso da casa estão os idosos que vivem sós. Entre renda ou prestação e facturas da água, luz e gás, gastam 41,5% do seu orçamento disponível. Não surpreendem assim as conclusões do último estudo, também do INE, das condições de vida dos portugueses, que mostrou como a taxa de risco de pobreza entre os idosos se agravou em 2015, para os 18,3%, em contraciclo com a melhoria de meio ponto percentual verificada na generalidade da população. 

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O estudo divulgado nesta segunda-feira sobre os orçamentos familiares também permite analisar as especificidades dos orçamentos de famílias com e sem crianças a cargo. As que têm filhos menores gastam em média mais 658 euros por mês do que as que não têm — gastam mais em transportes e educação, por exemplo. A sua despesa média global ronda os 26 mil euros/ano, contra 17.997 euros/anos das famílias sem crianças.

No que à habitação de respeito, o gasto médio anual ronda, para os agregados com filhos, os 7500 euros anuais, contra os 6173 euros/ano das famílias sem crianças, mas no bolo global o peso desta despesa até acaba por ser menor: para quem não tem filhos, os custos com a casa, água, luz, gás representam 34,3% do orçamento, para quem tem, 28,8%.

No que toca à habitação, Ana Cid lembra que as famílias numerosas são prejudicadas, porque a isenção de IMI (imposto municipal sobre imóveis) por insuficiência económica “continua a não ter em conta o número de dependentes”. Uma injustiça relativa que se aplica também à saúde. “Uma mulher que tenha um rendimento de 620 euros tem isenção de taxas moderadoras. Mas se tiver um rendimento de 630 euros já não tem isenção, mesmo que tenha três dependentes a seu cargo.”

A rubrica da saúde é, de resto, uma das que estão a perder peso no orçamento dos agregados. “Com a crise e com a falta de elasticidade que já tinham nos seus orçamentos, as famílias provavelmente prescindiram de consultas médicas no privado e recorreram mais ao Serviço Nacional de Saúde”, admite Ana Cid. “As pessoas de mais idade cortam muito rapidamente nos medicamentos quando se sentem mais apertadas”, complementa, por seu turno, Natália Nunes.

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