Lei da liberdade de expressão "podia ser melhorada” em Portugal

O presidente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Guido Raimondi, italiano de 62 anos,esteve em Portugal a convite do Supremo Tribunal de Justiça. “Em tempos de crise o tribunal deve respeitar as opções económicas dos Estados”, afirma sobre os cortes de regalias sociais.

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Portugal: “Talvez fosse útil ajustar a lei da liberdade de expressão” Clara Barata, Tiago Luz Pedro, Ana Henriques, Sibila Lind

Nos dois dias que passou em Lisboa em trabalho esteve com o Presidente da República, os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Justiça e ainda foi ao Tribunal Constitucional. Guido Raimondi aponta a sobrelotação das cadeias como um dos principais problemas de direitos humanos na Europa.

Considera satisfatório o sistema judicial português ao nível da protecção dos direitos humanos?
Se olharmos para os números, a resposta é claramente positiva. Portugal tem cerca de duas centenas de queixas pendentes no tribunal, quando eram 400 em 2011. O que significa que o sistema funciona bem. O facto de quatro desses processos terem subido à secção mais importante do tribunal é sinal de que foram levantadas questões de princípio importantes. Em termos comparativos, Itália tem sete mil queixas pendentes.

Que conclusões tira destes dois dias de visita a Portugal?
Foi muito importante, porque conheci uma série de pessoas significativas para o tribunal. Ter sido recebido pelo Presidente da República foi um sinal de interesse e de consideração pela instituição. O diálogo entre o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e os tribunais nacionais, em particular o Supremo e o Constitucional, são essenciais para o futuro do sistema de protecção dos direitos humanos.

Houve um aumento de queixas envolvendo direitos sociais na sequência da entrada da troika em Portugal?
Um dos maiores desafios para o TEDH hoje diz respeito à crise económica. O tribunal foi tomado por perguntas sobre os cortes das regalias sociais. Em 2013 foi chamado a pronunciar-se sobre as medidas de austeridade na Grécia – e deliberou que se encontravam dentro da margem de liberdade do Estado grego. Voltou a dizê-lo quando a questão se pôs em relação a Portugal. Em tempos de crise, o tribunal deve respeitar as opções económicas dos Estados. De há dez anos a esta parte a Convenção dos Direitos Humanos passou a proteger também as regalias sociais, mas não de forma ilimitada: as circunstâncias podem justificar a sua restrição, e a convenção permite-o até certo ponto. Já num caso relativo a um imposto cobrado pela Hungria sobre as indemnizações por despedimento, que podia ir até aos 98%, decidiu que era demasiado.

Mesmo que sejam drásticas?
Admito que possam ser dramáticas. Mas há escolhas difíceis que os Estados têm de fazer.

A convenção precisa de novos direitos?
Isso é sempre possível. Na sua versão original, a convenção não previa o direito à propriedade, o direito à educação ou o direito a eleições livres. Estes três direitos foram incluídos no primeiro protocolo adicional que foi adoptado dois anos depois da entrada em vigor da convenção, em 1952. Por exemplo, os direitos económicos e sociais não estão abrangidos pela convenção e há hoje um grande debate sobre se deveriam estar. E a jurisprudência do tribunal tem evoluído no sentido de proteger situações que não foram consideradas pelos pais da convenção. É o caso da protecção do ambiente, ou da protecção de direitos fundamentais no campo da biomedicina… O tribunal interpreta a convenção, para usar uma expressão conhecida, como “um instrumento vivo”, que permite dar protecção a novas situações que não foram nem podiam ser consideradas no espírito do documento original. 

Parte importante das queixas que os portugueses têm apresentado no TEDH relaciona-se com a lentidão da justiça. A situação é pior que noutros países?
Desde 2014 que este tipo de casos deve ser resolvido a nível nacional. É uma brecha nos direitos humanos relativamente modesta, se a compararmos com outras como a tortura, e um problema generalizado. Foi identificado há muitos anos pelo tribunal mas infelizmente continua a existir. A situação portuguesa não é a pior.

Portugal também já foi condenado várias vezes por violação da liberdade de expressão. Será, juntamente com a questão da liberdade de imprensa, um problema português?
Não necessariamente, mas há melhorias que podiam ser feitas. É um assunto delicado com o qual o TEDH já se confrontou várias vezes. A amplitude da protecção da liberdade de expressão tem de ser equilibrada com o direito à vida privada e à reputação dos que são visados nas notícias, e esse equilíbrio não pode ser encontrado por fórmula matemática. Dito isto, o mais importante é que os juízes nacionais incluam a Convenção dos Direitos Humanos nas suas decisões, usando os princípios da jurisprudência do TEDH. Se o fizerem, dificilmente as suas decisões serão contrariadas pelo TEDH. Devia haver um esforço na formação de juízes e de advogados para proteger da melhor forma a liberdade de expressão. O TEDH considera-a um pilar da democracia, e os jornalistas os seus guardiões. Mas o artigo 10.º da convenção dos é explícito: o exercício desta liberdade implica responsabilidades. Embora o grau de protecção das figuras públicas seja menor a este nível, por existir uma necessidade maior de escrutínio do que em relação à generalidade das pessoas, também têm direito a um espaço de privacidade, quando se trata de factos sem interesse para o debate público.

Portugal ainda tem algum trabalho a fazer nesta matéria, é isso?
Não querendo interferir na soberania, penso que talvez fosse útil ajustar a lei. Porque a lei nacional é importante na avaliação que o TEDH faz dos processos.

Ajustar como?
Sendo mais precisa. Para definir se as medidas [tomadas pelas autoridades nacionais] infringem a liberdade de expressão, uma das exigências da avaliação do TEDH é verificar se são compatíveis com a Convenção dos Direitos Humanos e se estão de acordo com a legislação nacional. Portanto, a lei nacional deve ser suficientemente clara – e a lei portuguesa podia ser ligeiramente melhorada.

Falando agora da prisão preventiva, é aceitável alguém ficar nessa situação quase um ano? Aconteceu com um ex-primeiro-ministro português.
Não vou comentar casos particulares. O que posso dizer é que o tribunal está vigilante neste importante aspecto da convenção, que diz que a prisão preventiva só pode ser utilizada quando é realmente necessária. Quanto à sua duração depende de numerosos factores. Há casos difíceis em que infelizmente é preciso que o suspeito fique privado da liberdade seis meses, um ano. Mas quando as razões para o privar de liberdade já não existem deve ser imediatamente devolvido à liberdade.

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