Um julgamento da nossa justiça penal?
O direito a ter um julgamento justo e equitativo é fundamental.
Carlos Pereira Cruz, João Alberto Ferreira Diniz, Jorge Marques Leitão Ritto e Manuel José Abrantes, condenados no “caso Casa Pia” e actualmente a cumprir penas de prisão, estão, desde Dezembro, mais atentos ao que se vai passar em Estrasburgo.
Esgotadas as possibilidade de recurso judicial dentro do nosso país, apresentaram em 2012 e 2013 queixas no Tribunal Europeu do Direitos Humanos contra Portugal (TEDH) por entenderem que não tiveram um julgamento equitativo, tal como é garantido a todos os cidadãos dos países signatários da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Convenção).
Na verdade, o artigo 6.º da Convenção determina que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei ...”; mais determina este artigo, entre outros direitos mínimos dos arguidos, o direito a “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação”.
Nas suas queixas apresentadas ao TEDH, os arguidos alegaram vários factos que, no seu entender, tinham colocado irremediavelmente em causa o carácter equitativo do julgamento; entre eles, o facto de não lhes ter sido permitido confrontar as vítimas/testemunhas/acusadores com as declarações que tinham feito no início do processo perante as autoridades policiais, que constavam dos autos e se apresentavam como contraditórias com as declarações prestadas em julgamento; igualmente violador do direito a um julgamento equitativo, referiram os queixosos ao TEDH, tinha sido o facto de não terem podido interrogar directamente as vítimas/testemunhas/acusadores por a lei só permitir o seu interrogatório através do juiz-presidente.
No passado dia 15 de Dezembro, as queixas apresentadas “venceram” a primeira etapa quando o TEDH as aceitou provisoriamente e dirigiu ao governo português diversas questões sobre estes factos, para serem respondidas até ao dia 5 de Abril do corrente ano.
Sucede que no mesmo dia 15 de Dezembro, o TEDH reunido em plenário, condenou a Alemanha por não ter assegurado um julgamento equitativo a um cidadão georgiano condenado pelos crimes de roubos e extorsão. Estava exactamente em causa o problema do direito do arguido a interrogar as testemunhas de acusação.
O cidadão georgiano, nem pessoalmente nem através do seu advogado, tinha podido confrontar e interrogar as únicas testemunhas – as vítimas - que o acusavam directamente da prática dos actos criminosos. Dado serem, também, cidadãs georgianas, tinham regressado ao seu país natal. E, convocadas para virem prestar o seu depoimento em julgamento, recusaram-se a comparecer ou a depor através de videoconferência, alegando – com o apoio de documentos médicos – stress pós-traumático. Face a esta impossibilidade de audição das vítimas/testemunhas/acusadoras, o tribunal tinha decidido ler os seus depoimentos prestados antes do julgamento, em momentos em que nem o arguido nem o seu advogado tinham estado presentes. E com base nesses depoimentos e outros elementos, condenara o cidadão georgiano.
O TEDH, apesar de aceitar a impossibilidade de fazer comparecer as vítimas/testemunhas em julgamento, considerou que os tribunais alemães não tinham feito tudo o que deviam fazer para assegurar os direitos de defesa do cidadão georgiano – nomeadamente por não o terem convocado nem ao seu advogado para estarem presentes aquando da prestação das declarações antes do julgamento – e declararam a violação da Convenção pela Alemanha.
E, no caso dos arguidos do “caso Casa Pia”, se o TEDH declarar que Portugal violou a Convenção não tendo assegurado um julgamento equitativo aos arguidos, o que pode suceder?
Importa lembrar que o TEDH não é um tribunal de recurso. Constata a violação da Convenção pelo Estado em causa e pode condená-lo no pagamento de uma indemnização ao queixoso por esse facto mas não anula ou revoga as decisões dos tribunais nacionais que continuam válidas, pelo que os arguidos a cumprir pena de prisão continuariam presos.
No entanto, a lei processual penal – a partir de 2007 – veio permitir que, através de um processo de revisão seja posta em causa uma sentença de condenação criminal definitiva, isto é, com “trânsito em julgado”, quando “uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.
Nesse caso – e será esse o caso se o TEDH declarar que foi violado o direito a um julgamento equitativo – os arguidos do “caso casa Pia” terão, pelo menos, o direito a requerer ao Supremo Tribunal de Justiça, um novo processo que terá, então, de ser compatível com a decisão do TEDH o que, mesmo que continuem a cumprir pena, é uma luz ao fundo do túnel.