“Nós financiamos a nossa própria investigação, é esse o segredo”

A Vision Box é uma empresa portuguesa que tem 80% da quota de mercado europeu nas novas "fronteiras inteligentes".

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Bento Correia e Miguel Leitman são, respectivamente, chairman e CEO da Vision Box DR

Quando passamos nas modernas “fronteiras inteligentes”, ou e-gates, seja no aeroporto de Lisboa, ou em Oslo, ou no Túnel da Mancha, a máquina lê-nos a informação contida no passaporte, compara a nossa cara com a da fotografia e, se tudo correr bem, não há nenhum guarda fronteiriço à nossa espera com perguntas. Essas máquinas são pensadas, produzidas e vendidas em Alfragide, no topo de uma colina remota, bem longe de qualquer cenário futurista. A Vision Box foi oficialmente uma PME, até há bem pouco tempo, mas tem crescido à medida das novas regras europeias de controlo de fronteiras. O chairman Bento Correia e o CEO Miguel Leitman explicam como, nesta entrevista.

A Vision Box começou por ser uma pequena empresa de videovigilância. Como surgiu a ideia de se dedicarem ao controlo biométrico de identidade?
Miguel Leiman — É preciso estar no sítio certo, a falar com as pessoas certas e a tentar encontrar a solução certa. É mais difícil do que ganhar a lotaria… Foi o que aconteceu. A Vision Box é uma empresa de tecnologia, a nossa competência de base é o processamento de imagem. Basicamente, extraímos informação de uma imagem, ou de um vídeo, calculamos o processo de decisão e alguma coisa acontece… Ao sermos reconhecidos pela indústria portuguesa, e europeia, fomos convidados pelo Governo português [de José Sócrates] para desenvolver a tecnologia do passaporte electrónico e do cartão de cidadão. Foi na mesma altura em que os EUA avançaram com o programa Visa Waver, para os europeus não passarem tanto tempo nas filas do aeroporto, bastando para isso possuírem um passaporte electrónico. Foi assim que começámos. Era o que eu dizia sobre estarmos no sítio certo…

E alguma vez imaginaram que, em 2016, a Europa iria seguir esse caminho?
ML — Quando começámos a pensar em soluções de controlo automático de fronteiras baseadas no reconhecimento facial biométrico, éramos considerados pela indústria como outsiders. Toda a gente apostava em grandes mudanças estruturais, como troca de bases de dados, impressões digitais… Nós pensámos que em 5-10 anos teríamos milhões de pessoas a viajar com passaportes. E se os passaportes têm aquela informação, a fotografia da cara, por que não usá-la? Hoje, essa é uma das recomendações da Comissão Europeia. Essa é a explicação do nosso modelo de negócios: eramos uma empresa nova, antecipámos que depois do Visa Waver toda a gente iria ter passaportes electrónicos.

A indústria de segurança na Europa tem grandes empresas que parecem dominar o mercado…
Bento Correia — Não existe uma empresa tão focada e com tanto conhecimento como a nossa, hoje. Não apenas na escala europeia, mas mundial. Muitas dessas grandes empresas têm pequenas divisões de pesquisa a tentar fazer o que nós fazemos. Mas são apenas pequenas divisões dentro de enormes empresas que fazem outras coisas: helicópteros, mísseis, aviões e, por acaso, também desenvolvem uma solução para o controlo de fronteiras. Nós estamos focados apenas nisso. É essa a nossa tecnologia central. Essa é a diferença. 

Por que não integram o principal lobby de segurança europeu, o EOS, onde estão quase todas essas grandes empresas? O lobby parece ser muito eficiente a representar o interesse dessas empresas junto das instituições europeias…
ML — Nesta área, a agência responsável é a Frontex. Se forem amanhã à Frontex e pedirem uma lista das empresas líderes em controlo de fronteiras, a nossa será certamente mencionada. A grande diferença é que a Vision Box também concorre a programas comunitários de financiamento da investigação, mas não depende desses fundos, faz a investigação na mesma.

Daí a pergunta. Ouvimos muitas críticas quanto à forma como as grandes empresas dominam o financiamento europeu à investigação. É essa a importância do lobby da EOS…
BC — Nós temos tido muito êxito na nossa investigação. Se pararmos de investir, aí perdemos o comboio… Quando vemos esses programas, temos uma reacção um pouco ambígua. Se constatarem quem são as empresas que beneficiam desses programas repararão que são geralmente as maiores do sector. Nós não dependemos deles. Se dependêssemos, não estaríamos ao nível a que estamos. Nós financiamos a nossa própria investigação, é esse o nosso segredo comercial.

*Exclusivo PÚBLICO/Vice/Investigate Europe

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