Proprietários podem proibir vizinhos de alugar casas a turistas

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa valida decisão de assembleia de condóminos de proibir alojamento local, considerando “irrelevante” as autorizações dadas por entidades públicas.

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Código Civil diz que se o título da propriedade horizontal definir o uso para habitação o condomínio pode não autorizar outra utilização Paulo Pimenta

Pode uma assembleia de condóminos proibir a afectação de uma ou mais fracções de um prédio para arrendamento a turistas? Pode, sustenta o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão recente que pode levar outros condóminos a travarem a exploração de actividades comerciais em prédios de habitação.

Aquele tipo de oferta, denominada de alojamento local ou de curta duração, cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos, sobretudo, nos centros das cidades de Lisboa e do Porto, e tem gerado alguma conflitualidade entre residentes permanentes (proprietários ou arrendatários) e turistas. Ruído, horas de partida e de chegada susceptíveis de perturbarem o descanso nocturno, ou falta de privacidade nas áreas comuns, são alguns dos problemas apontados.

O caso que chegou à relação tem por base uma decisão de uma assembleia de condóminos de um prédio em Lisboa, aprovada por maioria em Maio deste ano, e que proibiu a prática de alojamento local exercida numa fracção. A proprietária avançou com uma providência cautelar para travar a decisão, que foi aceite pela primeira instância mas revogada pela relação.

O acórdão limita-se a recuperar o que está no Código Civil (artigo 1418), onde se salvaguarda que, se o título constitutivo da propriedade horizontal (prédio com fracções autónomas, detidas por vários proprietários) estabelecer como utilização a habitação, a assembleia de condóminos pode não autorizar outro destino ou afectação. E o alojamento para turistas é considerado uma actividade comercial (CAE 55201).

Assim, ou os condóminos condescendem na prática da actividade comercial, como cabeleireiro, consultório, entre muitos outros, ou esta não pode ser exercida. É que, o mesmo Código Civil prevê a possibilidade de alteração do título constitutivo, mas obriga a que seja feita por escritura pública, o que só é possível se essa mudança for aprovada por unanimidade, ou seja, com a aceitação expressa de todos os restantes proprietários.

“Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada) ”, concluem os juízes da Relação.

Omissões do arrendamento local

A legislação que enquadra esta actividade é recente (Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, alterado pelo  Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de Abril), obrigando à sua autorização por várias entidades públicas,  mas é omissa em relação à autorização dos condóminos.

Contudo, no caso em apreço, o acórdão considera “irrelevante” o licenciamento da actividade por parte dos serviços de Finanças de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal. “As autorizações de entidades administrativas, segundo as quais determinada fracção autónoma de prédio constituído em regime de propriedade horizontal pode ser destinado a comércio, não têm a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal constante do respectivo título constitutivo, segundo o qual essa fracção se destina a habitação”.

Contactado pelo PÚBLICO, Fernandes Martins, assessor jurídico da Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal, considera que aquelas entidades públicas não podem autorizar uma actividade comercial sem a prévia comprovação de que vai ser exercida em local legalmente permitido. O jurista admite que a grande maioria dos proprietários e administradores de condomínio desconhecem as limitações de afectação das fracções em propriedade horizontal. O facto deste tipo de arrendamento ser recente e muito localizado nas grandes cidades explica a baixa litigância judicial, uma vez que Fernando Martins não conhece outras sentenças recentes sobre esta matéria.

O arrendamento habitacional ou permanente de fracções não tem qualquer constrangimento legal, explicou ainda o jurista.

O reforço do poder dos condóminos tem vindo a ser defendido pelos partidos de esquerda, e pela Associação da Hotelaria de Portugal (directamente afectada pela crescente oferta deste tipo de alojamento privado). Helena Roseta, deputada do PS e presidente do grupo de trabalho da habitação, no Parlamento, confirma “o interesse em ouvir os condóminos nos casos em que eles sejam também residentes”, mas refere que não há nenhum projecto de lei em discussão sobre essa matéria.

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