O que é que Paulo Macedo tem?
Tem larga experiência na banca. Nos impostos. Até no Governo, com a pasta da Saúde numa mão e a tesoura na outra, conseguiu, dentro do possível, passar entre os pingos da chuva.
Era bom aluno, levou poucas reguadas. Ainda menino, preferia o cinema ao futebol. Não passou por dificuldades, cresceu numa família de classe média, vivia em Queluz. Eram cinco filhos nessa altura. A mãe nasceu em Macau, o pai era ribatejano, comunista, poeta e artista plástico. Mas Paulo Macedo, agora nomeado presidente da Caixa Geral de Depósitos e com muitos desafios pela frente, nunca tentou pegar nas tintas e pincéis, não tinha jeito para a pintura.
Ficou-lhe o gosto por obras de arte contemporânea. É o próprio quem as escolhe: Almada Negreiros, Artur Bual, Vieira da Silva, Júlio Pomar, Cutileiro, a lista continua. Estes e outros pormenores mais íntimos estão contados numa entrevista que deu à Visão, em Agosto de 2011, era então ministro da Saúde de um Governo que esteve sob ajuda externa e forte contestação.
Apesar de também ter sido alvo de críticas (já o tinha sido na administração fiscal, quando era o responsável pelas cartas que os portugueses recebiam com ameaças de penhoras de bens), pode dizer-se que Paulo Macedo, com a delicada pasta da Saúde numa mão e os cortes na outra, soube passar por entre os pingos da chuva.
Contrariado, à Visão, revelou mais alguns aspectos que também ajudam a perceber quem é Paulo Macedo, 53 anos, pai. O livro que mais o marcou foi A Engrenagem, de Jean-Paul Sartre. Ainda viu um concerto de Leonard Cohen. Gosta de humor: Herman José, Ricardo Araújo Pereira, Juca Chaves, Benny Hill, dos Monty Python... Filho de pais católicos, não é um praticante “como devia e gostaria”. Isso não o impediu, porém, de mandar rezar uma missa enquanto director-geral das Contribuições e Impostos.
Terminou o curso de Gestão de Empresas com 15 valores, no ISEG, onde deu aulas; passou pela Arthur Andersen; pelo BCP, onde teve inúmeros cargos, foi administrador, vice-presidente. Foi director-geral dos Impostos, entre 2004 e 2007. Em 2011 aceita ser ministro da Saúde.
Não terá sido fácil convencer o actual administrador da Ocidental Vida a aceitar o lugar na Caixa Geral de Depósitos. Além do ruído que tem levantado, Macedo tinha lugar marcado para vice-governador do Banco de Portugal.
É um nome que reúne consenso. Apesar das polémicas. Em 2012, por exemplo, o então secretário-geral do PS, António José Seguro, acusou-o de estar “a afastar os portugueses dos cuidados de saúde”. Em 2014, a deputada comunista Paula Santos acusou-o de estar a seguir uma “política de desmantelamento do SNS” que “está a conduzir à morte antecipada dos portugueses”.
Em 2015, foi a Ordem dos Médicos do Norte: “Já todos entendemos que medicina o ministro Paulo Macedo quer para o país. Uma medicina de ‘guerra’, normalizada, a retalho, em grandes superfícies, em parte realizada por outros profissionais de saúde, com médicos e doentes de primeira e segunda categoria, em que a autonomia precoce para o exercício da medicina e da especialidade passe a ser a solução para todos os problemas”.
Também em 2015, o Bloco de Esquerda agendou um debate de urgência sobre a situação da saúde. A deputada Helena Pinto perguntou mesmo: “morre-se à espera de ser atendido. Isso é qualidade?”.
Mas Paulo Macedo enfrentou. Enfrentou greves de médicos e toda a gente tem guardado na memória a polémica em torno do medicamento inovador e dispendioso para hepatite C, o Sofosbuvir, fármaco do laboratório norte-americano Gilead Sciences. No Parlamento, Macedo foi mesmo interrompido por um doente que aguardava tratamento e que lhe gritou: “não me deixe morrer, eu quero viver”.
Aliás, nem novelas em torno de salários altos lhe faltaram. Quando Manuela Ferreira Leite o convidou para inspector-geral dos Impostos, haveria de enfrentar contestação por causa do salário de 23.480 euros mensais.
Mas a faceta de gestor deu-lhe a assertividade necessária para enfrentar muitas lutas, atravessou três executivos. Disse várias vezes que o anterior Governo salvou o Serviço Nacional Saúde. Uma frase forte e controversa que, numa entrevista ao Jornal de Negócios, a jornalista lhe lembrou. Paulo Macedo não negou. Mas antes já tinha admitido, sem qualquer problema, que não tem “nenhuma ambição de perfeição ou de nunca errar”, que tem “várias vezes dúvidas” e que se aconselha com “grandes especialistas”.