Número de jovens hospitalizados por abuso de álcool não diminuiu

Recurso às urgências ocorre sobretudo à noite e aos fins-de-semana ou durante as férias escolares.

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Às urgências hospitalares chegam “apenas os casos mais graves, a ponta do icebergue” RUI GAUDêNCIO

Em Junho de 2008, a então ministra da Saúde, Ana Jorge, alertou para o facto de “não serem raros” os casos de crianças com sete, oito ou nove anos de idade em coma alcoólico, devido aos festejos de final de ano escolar. A afirmação gerou, na altura alguma controvérsia, com muitos pediatras a asseverarem não ter memória de episódios de urgência motivados pelo álcool envolvendo crianças tão pequenas.

Estes profissionais apontavam consumos excessivos, sim, mas aos 12, 13 ou 14 anos. Mas o certo é que, mais de oito anos volvidos, e enquanto Espanha noticia dados como os cinco mil menores que foram atendidos nas urgências em 2015 por abuso de álcool, em Portugal continuam a não estar disponíveis estatísticas que dêem a dimensão exacta do problema.

“As urgências [hospitalares] não registam as causas que levam as pessoas à urgência, mas as consequências. Alguém que caiu porque estava alcoolizado pode ficar registado como tendo sofrido um traumatismo craniano. Mas, tal como na violência doméstica, estamos a trabalhar para conseguirmos ter um registo formal destas situações de risco, sobretudo quando afectam menores, até porque resulta daí um efeito pedagógico importante”, reconhece o director do programa de Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde, Álvaro Carvalho.

Numa ronda feita pelo PÚBLICO por alguns dos hospitais com urgências pediátricas, os respectivos responsáveis não referem aumentos, mas também não apontam diminuições, isto é, o problema tem-se mantido estável, apesar do reforço das leis cujo objectivo é dificultar a ingestão de álcool por parte dos menores. “Este ano, até agora, tivemos 30 casos de menores alcoolizados, a maior parte em coma. Em 2015, tinham sido 40, 22 em 2014 e 42 em 2013”, contabilizou Patrícia Mação, médica no Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra.

As festas dos alunos dos 8.º e 9.º anos

“Chegam com teor alcoólico muito elevado, ataxias, discursos incoerentes, a vomitar. Quase sempre são trazidos por colegas. São alunos dos 8º e 9 anos, começam a beber nas festas de aniversário e aos fins-de-semana e nas férias escolares”, caracteriza, por seu turno, Almerinda Pereira, directora do serviço de Pediatria do Hospital de Braga. Já no Hospital Santa Maria, em Lisboa, a coordenadora da urgência pediátrica, Gabriela Araújo e Sá contou 11 jovens internados este ano por abuso de álcool. “Foram o mesmo número que no ano anterior. E estamos a falar de quadros que implicam já alterações de consciência, porque os que chegam apenas ‘tocados’ não ficam internados”.

Note-se, como recorda Patrícia Mação, que às urgências hospitalares chegam “apenas os casos mais graves, a ponta do icebergue”. Dito de outro modo, os menores que ingerem shots sem noção do respectivo teor alcoólico. Ou então os que, como aponta Joana Saraiva, pedopsiquiatra no Centro Hospitalar do Porto, misturam álcool e canabinóides, como marijuana ou haxixe. “Há muitos anos, o álcool bebia-se dentro de casa e era principalmente vinho. Agora, os jovens de 13, 14 e 15 anos bebem sobretudo bebidas brancas, ao fim-de-semana e em contextos de festa e de saída”, acrescenta aquela responsável.

Já no Hospital de S. João, também no Porto, o director das urgências pediátricas, Luís Almeida Santos, fez um levantamento dos 196 jovens alcoolizados que ficaram internados no seu serviço, entre 2011 e 2013, e concluiu que a média de idades era de 15,9 anos e que a alcoolemia média que apresentavam era de 1,67 gramas de litros por sangue (recorde-se que alguém que conduza com uma taxa superior a 0,5 g/l incorre numa contra-ordenação grave, podendo ficar inibido de conduzir).

“De então para cá, os valores mantêm-se equivalentes”, assevera o pediatra, sobre uma realidade que o preocupa, mas que não o surpreende, num país onde não há muitas décadas as crianças eram convidadas a beber água ardente com açúcar pela manhã (o chamado “mata-bicho”) e onde era frequente meter-se “vinho ou aguardente no biberão para sossegar os bebés”. 

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