“Ontem foi a pior noite da minha vida, mas hoje vai ser a melhor”
Os fãs de Justin Bieber, os "beliebers", estão prontos para o concerto desta noite, em Lisboa, de apresentação do álbum, Purpose. E suportam todas as agruras.
Às 10h da manhã desta sexta-feira, 25 de Novembro, ainda faltam cerca de 6h para a abertura das portas do MEO Arena, no Parque das Nações, em Lisboa, mas já há, segundo estimativas dos seguranças no local, perto de 3500 pessoas em redor da sala de espectáculos, à espera do momento de entrada. Muitas já lá estão há quatro ou cinco dias, desde segunda-feira, apesar de as filas propriamente ditas se terem começado a formar apenas esta manhã. Têm suportado as difíceis condições meteorológicas, com o vigor da juventude e a paixão de quem não quer perder a oportunidade de ver ao vivo o seu ídolo.
Inês, 18 anos, é a primeira da fila dos Golden Ticket (75€). Chegou ao Parque das Nações na segunda-feira de manhã e tem conseguido ir a casa (tem a sorte de ser de Lisboa) ou ao centro comercial Vasco da Gama quando precisa de ir comer, ir à casa de banho ou trocar de roupa. E não perde o lugar na fila? “Não, porque as pessoas se respeitam todas. Quando umas de nós vão, as outras ficam aqui a guardar lugar, é tudo muito civilizado”.
Inês e o grupo de amigas que conheceu ao longo das noites passadas ao relento foram as primeiras a chegar e fizeram questão de organizar a contagem dos fãs. “Agora já não temos noção de quantas pessoas cá estão, mas ontem, até às 6h, só na nossa porta do Golden Ticket, éramos 215. Agora já devemos ser mais de 500”, conta Rita, 18 anos, outro membro do grupo líder da fila. Vem de Guimarães, chegou na terça-feira de manhã e só regressará a casa na manhã de sábado. Depois do concerto, vai pernoitar num quarto que alugou numa pousada, antes de fazer a viagem de regresso ao norte. Esclarece que teve, tal como as amigas, de chegar bem cedo para ficar à frente, porque mesmo com os bilhetes privilegiados quer estar o mais perto possível do palco. E de Justin Bieber. E viria sozinha, se não tivesse colocado o aviso no Twitter a perguntar se alguém também ia para a fila dos Golden Ticket e queria companhia. Acabou por travar conhecimento com a outra Inês, também de 18 anos, mas de Viana do Castelo, e foram juntas na viagem desde o norte.
Mas para isso tiveram de suportar as noites de chuva, frio e vento dos últimos dias, mesmo contra as indicações dadas em comunicado pela promotora do concerto, a Everything is New, na sua página do Facebook: "Considerando as condições climatéricas adversas previstas, designadamente chuva e frio, recomenda-se que não haja ajuntamento e pernoitas no local. Aconselha-se ainda a utilização de roupa quente adequada às condições, bem como, calçado apropriado e confortável para quem decidir chegar mais cedo no dia 25 de Novembro".
No mesmo comunicado, aconselhava-se "a não instalação de tendas, colocação de sacos cama e pernoita na via pública, nas imediações do MEO Arena", mas o aviso foi ignorado por muitos. “Até agora temos estado ali [debaixo da pala e nas zonas protegidas do MEO Arena] e dormimos ali, porque não nos deixaram abrir as tendas que trouxemos. Temos estado com mantas, com sacos-cama, guarda-chuvas, mas não podemos abrir as tendas”, conta Inês. Ainda assim, a Rita de Guimarães não hesita em afirmar: “Sim, foi difícil. A noite de ontem foi a pior da minha vida, mas a de hoje vai ser a melhor”.
Também Iolanda e Duda passaram as últimas noites ao relento. São as melhores amigas, têm 17 anos e são de Viseu. Chegaram na quarta-feira de manhã. São das primeiras pessoas na fila para a plateia normal, cujos bilhetes custam 55€. É o primeiro concerto de Bieber a que vão assistir, mas já são fãs há muitos anos e “todos os álbuns são óptimos”. Compraram bilhetes há mais de um ano, “logo no primeiro dia em que saíram”. Iolanda lembra-se de ter dito à mãe, com toda a certeza, que não podia perder o concerto, e conseguiu deslocar-se até Lisboa com a antecedência necessária para tentar ficar com um óptimo lugar. Ela e Duda estão a faltar a dois testes da escola e tiveram de fingir que estavam doentes para que nenhum professor desconfiasse. "Não podíamos mesmo perder o concerto!”, diz Iolanda, categórica. E suportam de cabeça erguida as más condições climatéricas: “Compensa tudo. E se fosse preciso repetir, fazíamos tudo outra vez!”, confirma Duda.
Milhares de raparigas… e alguns rapazes pelo meio
Diogo tem 19 anos, é de Cascais e só chegou à fila para a plateia em pé nesta manhã. Já acompanha a carreira de Justin Bieber desde o primeiro álbum, mas confessa gostar mais dos temas dos álbuns mais recentes. “As primeiras músicas eram mais para as raparigas, mas agora fala mais da vida dele, daquilo que tem passado e é melhor”. E se a principal razão para ter chegado cedo para a fila é o desejo de conseguir um bom lugar, o ambiente que se vive entre os que já lá estão também é um atractivo: “Gostava que houvesse ainda mais pessoal, porque assim púnhamos uns sons, divertíamo-nos um bocado”.
O espectro de idades dos fãs do cantor canadiano vai dos dez aos 30 anos. “Há raparigas muito novas, mas já conhecemos um rapaz de 27 anos”, descreve Inês, a lisboeta. Ainda assim, é flagrante a diferença nas proporções de rapazes e raparigas. Um dos raros rapazes presentes, acompanhado por um grupo de seis raparigas, também se chama Diogo, tem 17 anos e é de Alverca. Confessa só gostar particularmente do álbum mais recente de Bieber, até porque “antes nem sequer o ouvia". "Passei a gostar depois deste álbum.”
Voltamos às raparigas, desta vez ainda mais novas: as duas Beatrizes, uma de 14 e a outra de 15 anos, também são as melhores amigas e são de Aveiro. Chegaram na terça-feira à noite, ainda a tempo de apanharem o temporal "horrível" das últimas horas. “Mas eu já vinha preparada, estive agasalhada, já sabia para o que vinha”, conta a mais velha, que só não pôde vir ao concerto de 2013 por ainda ser demasiado nova na altura. Desta vez, passou um ano a convencer os pais, argumentando que não sabia quando poderia ter outra oportunidade de ver Bieber ao vivo, e acabou por levar a sua avante. “Mas o meu pai disse 'Vais no máximo um dia antes’ e eu tive de explicar ‘Pai, mas eu tenho um lugar (plateia normal) muito difícil, não posso ficar lá atrás, senão só vou ver cabeças, e para o ver pelos ecrãs gigantes já vejo em casa”.
Beatriz tem menos de um metro e meio de altura e isso foi o factor de relevo no processo de convencer os pais, e que culminou na oferta do bilhete como presente de aniversário. Ainda assim, não está sozinha: a avó veio a acompanhá-la, mas ficou hospedada numa pensão. Vem durante o dia ver como a neta está, mas os seguranças presentes no local convenceram-na a ir passar as noites descansada à pensão. “Como temos um grupo muito grande e temos sempre aqui os polícias connosco, ela pode ficar à pensão”.
Também há pais na fila de espera
Fernando Monteiro e a mulher são do Porto e acompanham as duas filhas, de 14 e 16 anos. “Claro que não quisemos que elas viessem sozinhas”, afirma o pai. Por isso, chegaram a Lisboa na quinta-feira, passaram a noite com elas num hotel e chegaram à fila para a plateia apenas esta manhã. A filha mais velha já estava há oito anos à espera da oportunidade de ver o artista ao vivo e os pais não conseguiram adiar mais. Contudo, não vão ver o concerto. “Não nos diz nada. Isto é mais para elas”.
Odete Neves, 42 anos, é outra das mães presentes a guardar lugar para a filha e as amigas, que estão no período das aulas da manhã, às quais não puderam faltar. Mas, no seu caso, também vai entrar. “Não faz muito o meu estilo, mas adorei o primeiro concerto. Não tanto pelas músicas dele, mas pelo concerto em si, foi muito, muito bom. Não estava à espera”. E quando olha à volta e vê tantas jovens sozinhas, não consegue disfarçar a indignação. “Não sei como é que há pais que as deixam vir sozinhas, mas pronto, cada um sabe de si. Mas são muitos dias e, com o tempo que está, é horrível”.
E há quem faça tanta questão de acompanhar os filhos que até viajam com eles desde o estrangeiro, mesmo sem quererem assistir ao concerto. É o caso de Ângela, de 16 anos, que aterrou em Lisboa com o pai, vindos da Bélgica. “Eu é que quis que ela viesse. É o ídolo dela”, afirmou o pai, com um sorriso deleitado para a filha. Ângela já é fã de Justin Bieber desde 2009, “mesmo durante aquela má fase que ele teve, mas agora ele está muito melhor, e por isso quis mesmo vir vê-lo”.
Tudo o que Justin tem, deve-o aos fãs
Justin Bieber não foi o típico caso de cantor que começou aos poucos a ser conhecido e que só atingiu a fama global muito depois. Nem sequer foi um dos ídolos dos adolescente que começou na televisão, numa série da Disney (como Miley Cyrus), no Clube do Rato Mickey (como Britney Spears ou o seu quase-homónimo Justin Timberlake), nem num dos vários concursos musicais norte-americanos (Kelly Clarkson, no American Idol). No seu caso, deve tudo o que alcançou à larga base de fãs que começou a criar ainda em criança, quando publicava vídeos no YouTube. Quando o primeiro álbum, My World, saiu em 2009, já era um fenómeno astronómico na Internet, e desde aí nunca mais parou, só passou para a dimensão do real e dos espectáculos ao vivo.
A primeira vez que esteve em Portugal foi a 12 de Março de 2013, para apresentar o álbum Believe, que tinha saído em 2012. Desta vez, a diferença entre a apresentação do novo álbum e a passagem por Lisboa volta a ser de um ano: Purpose saiu a 13 de novembro de 2015 e contém alguns dos maiores êxitos que tiveram lugar cativo em quase todas as rádios. Ninguém passou este Verão sem ouvir pelo menos 100 vezes o tema Sorry, nem chegou ao princípio do Outono sem saber responder a What Do You Mean?. Pelo meio, ainda houve tempo para perguntar às fãs Where Are U Now, e para as ensinar a Love Yourself. Das baladas mais românticas aos temas de dança mais contagiantes, voltou a bater recordes, a ser presença obrigatória em todas as discotecas e a levar os bilhetes para o concerto de Lisboa a esgotarem no dia em que foram postos à venda.
Jéssica, de 17 anos, de Braga, já conta com um concerto de Bieber na história e está entusiasmada pelas surpresas desta vez. “É sempre diferente ver tudo ao vivo, e quero ver como me sinto desta vez. E espero que toda a gente faça silêncio durante o discurso que ele vai fazer a meio do concerto, porque quero ouvi-lo bem”. Fã incondicional, sempre apoiou o seu ídolo, mas admite que “às vezes merece um puxão de orelhas, porque nem sempre faz tudo certo, mas de certeza que tem as suas razões”.
Uma das Beatrizes de Aveiro também é fã de longa data. “A primeira música que eu ouvi dele foi a Baby, todo o mundo ouvia a Baby, passava muito nas rádios, e eu também ouvi e gostei. Só que quando me perguntavam se gostava, dizia que não, porque toda a gente gozava com o Bieber naquela altura”, recorda. “Toda a gente odiava o Justin, mas não sei porquê, ele nunca fez mal a ninguém, não tinham de o odiar. Mas agora ele já amadureceu e já conquistou uma legião de fãs, e elas também cresceram”.
Alguns dos fãs, porém, continuam bem novinhos. Carolina tem apenas 13 anos, mas admira e defende Justin com unhas e dentes: “Tenho muito orgulho nele, por tudo o que passou e tudo aquilo em que se tornou, e por ter ultrapassado as dificuldades todas e porque me ensinou que realmente atrás das nuvens cinzentas, há sempre um sol. Por isso ele é a minha inspiração, e tenho muito, muito orgulho nele”.