ONU acusa Birmânia de limpeza étnica contra minoria muçulmana

Há várias semanas que o Exército lançou uma operação na região em que habita a comunidade rohingya onde é acusado de executar civis, incluindo crianças, e de queimar aldeias inteiras.

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Família de rohingya num campo de refugiados no Bangladesh, depois de fugirem da violência de Rakhine Munir Uz Zaman / AFP

A agência responsável pelos refugiados das Nações Unidas acusa a Birmânia de estar a lançar uma operação de “limpeza étnica” contra a minoria muçulmana rohingya, que habita na parte ocidental do país. O Bangladesh diz que milhares de pessoas têm passado a fronteira nos últimos dias, em fuga dos confrontos.

As forças de segurança birmanesas têm “morto homens, executando-os, massacram crianças, violam mulheres, queimam e assaltam casas, forçando estas pessoas a atravessar o rio” para chegar ao Bangladesh, disse à BBC o responsável do alto-comissariado para os Refugiados da ONU, John McKissick. Os membros do Exército e da guarda fronteiriça estão envolvidos em actos de "punição colectiva contra a minoria rohingya", acrescentou.

Há semanas que o Exército tem em curso uma larga ofensiva no estado de Rakhine, mas há poucas informações a partir da região desde que foi vedado o acesso a jornalistas e observadores internacionais pelo Governo. Um porta-voz do executivo disse estar "muito, muito desapontado" com as declarações da parte do Alto-Comissariado para os Refugiados ONU.

Esta semana, a Human Rights Watch revelou imagens obtidas por satélite em que é possível observar casas de aldeias inteiras destruídas pelo fogo. Apesar da falta de informações, a maioria dos relatos apontam para que cerca de 90 pessoas tenham morrido nas últimas semanas e 30 mil estejam desalojadas.

O Governo nega que o Exército cometa abusos contra a população muçulmana e acusa os rohingya de serem responsáveis pela destruição das próprias casas para conseguir atenção internacional. “A comunidade internacional não nos compreendeu porque os lobistas rohingya distribuíram notícias falsas”, disse o porta-voz presidencial, Zaw Htay. “Ninguém no mundo aceitaria ataques contra as suas forças de segurança, homicídios e roubo de armas.”

A ofensiva do Exército em Rakhine foi lançada como resposta a uma série de ataques coordenados contra postos fronteiriços no início de Outubro. O Governo acusa grupos extremistas islâmicos de estarem por trás dos ataques, mas há poucas informações sobre que tipo de organizações se trata e qual a sua verdadeira dimensão.

Bangladesh pede medidas urgentes

A violência em Rakhine tem levado milhares de rohingya a fugirem para o Bangladesh, levando o Governo de Daca a exigir “medidas urgentes” para travar o fluxo de refugiados. “É muito difícil para o Governo do Bangladesh dizer que a fronteira está aberta porque isso iria encorajar ainda mais o Governo birmanês a continuar as atrocidades até alcançarem o seu objectivo último de limpeza étnica”, afirmou McKissick.

O Bangladesh revelou esta semana que enviou 20 barcos com rohingya de volta para a Birmânia. "Apesar do esforço sincero da nossa guarda fronteiriça para impedir o afluxo, milhares de cidadãos birmaneses em perigo, incluindo mulheres, crianças e idosos, continuam a atravessar a fronteira para o Bangladesh", disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Bangladesh.

Os confrontos em Rakhine lembram os episódios de violência de 2012, quando centenas de rohingya foram mortos pelo Exército e cem mil foram forçados a fugir das suas casas.

Os rohingya são uma das minorias étnicas mais perseguidas no mundo. A comunidade de cerca de um milhão de pessoas, que habitam apenas no estado de Rakhine, está privada da cidadania birmanesa, tem os seus direitos civis muito limitados, incluindo a liberdade de circulação, e é atingida pela pobreza extrema, fruto do forte desemprego, numa situação que já chegou a ser comparada ao apartheid sul-africano.

Para muitos, a emigração é a única alternativa à vida em Rakhine, mas os riscos que comporta não são menores. No ano passado, milhares de rohingya passaram semanas à deriva no Oceano Índico quando tentavam fazer a perigosa travessia rumo à Tailândia e à Malásia, cujos governos tinham rejeitado o seu acolhimento. No Bangladesh, por exemplo, vivem hoje cerca de 300 mil rohingya.

Na base da sua perseguição está a atitude das autoridades birmanesas, cujo Governo é dominado pelos militares desde os anos 1960, que, num país maioritariamente budista, consideram os rohingya imigrantes ilegais do Bangladesh e não uma etnia específica. As eleições do ano passado deram a vitória à Liga Nacional para a Democracia, o partido da activista defensora dos direitos humanos e Nobel da Paz, Aung Sun Suu Kyi, e trouxeram pela primeira vez em décadas civis para o Governo. Com eles, veio também a esperança de que a paz pudesse chegar a um país que, para além dos problemas em Rakhine com os rohingya, trava várias guerras internas com grupos armados locais.

Contudo, os militares continuam a ter uma grande influência sobre a acção do Governo e a própria Suu Kyi tem sido criticada por pouco ter feito pela melhoria das condições de vida das minorias étnicas. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, a activista recusou utilizar o termo rohingya — uma atitude vista como uma reafirmação do racismo das classes dirigentes birmanesas. Até agora, a única medida tomada por Suu Kyi foi a nomeação do ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, para liderar uma comissão que pretende investigar episódios de violência sectária entre budistas e rohingya em Rakhine, mas ainda não se conhecem quaisquer progressos.

 

 

 

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