Metade dos portugueses considera a corrupção um dos maiores problemas do país
Barómetro da Transparência Internacional na Europa e Ásia Central revela que um terço dos cidadãos considera os governos e parlamentos altamente corruptos e pobres as políticas que o evitam.
Um terço da população da Europa e da Ásia Central considera que a corrupção é um dos maiores problemas do seu país e mais de metade entende que os governos estão a fazer um mau trabalho no combate à corrupção no sector público. Em Portugal, os dados são ainda mais significativos: mais de metade (51%) elege a corrupção como um dos três maiores desafios, mesmo quando têm de escolher entre assuntos como a economia e o desemprego (considerado o maior problema), o crime, a imigração, a saúde ou a educação.
Os dados são do barómetro da corrupção da Transparência Internacional, cujos inquéritos foram feitos em Janeiro em 42 países da Europa e Ásia Central, de Portugal ao Cazaquistão, incluindo a Rússia. Neste estudo, feito pela primeira vez em blocos regionais (e não a nível mundial), foram ouvidas 60 mil pessoas (1008 em Portugal) pessoalmente e por telefone e, destas, uma em cada três considera que o poder executivo e legislativo – governos e parlamentos – são muito ou totalmente corruptos.
Para a Transparência Internacional, estes dados ajudam a explicar o aparecimento e aumento dos movimentos nacionalistas e populistas, pois reina a “convicção de que as instituições democráticas tradicionais – governos e partidos políticos – não só não estão a cumprir as promessas de prosperidade e igualdade de oportunidades, como não são fiáveis”.
A corrupção é central nesta história, “tanto o falhanço do governo em combatê-la, como a sua cumplicidade com os corruptos ou os esquemas clientelares”, afirma-se no relatório.
Os dados mostram isso mesmo. Poucas pessoas acham que os seus governos estão a fazer o suficiente para combater a corrupção na política – apenas 23%. E mais de um quarto dos cidadãos vê os políticos, os membros dos governos e os homens de negócios como altamente corruptos, sendo que mais ainda - um em cada três inquiridos - considera que os mais ricos têm muita influência sobre as decisões governamentais.
O estudo identifica nove categorias de profissões e os grupos com maior índice de percepção da corrupção são os deputados e os membros do governo. Os dados de Portugal não escapam muito da média global: 33% dos portugueses consideram que a maioria ou a totalidade dos parlamentares são corruptos, contra 31% da média global.
Onde o país está mais bem colocado é na avaliação dos esforços do governo em combater a corrupção: apenas 37% consideram que é um mau trabalho, mas só há dois países com melhor performance, a Suíça e a Suécia (28%). A média europeia é 53% e em Espanha, 80% consideram que os esforços do governo são muito maus.
A influência dos mais ricos sobre os políticos (governos e parlamentos) é uma constatação para 57% dos inquiridos em todo o estudo, mas acentua-se entre os europeus (65%). Este factor está intimamente relacionado com a forma como os cidadãos percepcionam o combate à corrupção, sugerindo que a influência da riqueza nas decisões governamentais funciona como “um inibidor do combate à corrupção, ou que os interesses influenciam mais facilmente os governos que têm fracas políticas anti-corrupção”, analisa a TI.
O paradigma Barroso
“Tornou-se impossível ignorar a corrupção sistémica na forma como os negócios influenciam a política, como revelado no caso em julgamento de 37 executivos e políticos em Espanha alegadamente envolvidos num esquema de contrapartidas por contratos durante cerca de uma década", ilustra também o relatório. “Exemplos como este podem dar a impressão, ao cidadão comum, que os investimentos públicos e as opções políticas são distorcidas a favor de uns poucos sobre o todo”, alerta-se.
“Esta percepção aumenta com a prevalência de formas mais subtis de corrupção, como os conflitos de interesses – reais ou percebidos como tal – em situações de lobbying escondido e das ‘portas giratórias’ entre os sectores público e privado”, consideram os analistas.
A polémica em que se tornou a ida do ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso para a Goldman Sachs é apresentada como exemplo da forma como as sociedades repudiam este tipo de situações: uma petição com mais de 100 mil assinaturas pedindo sanções para o ex-primeiro-ministro português “mostra como as expectativas sobre maior integridade na política e nos negócios estão a mobilizar os cidadãos”.
É neste contexto que o relatório deixa, como recomendação, que os países e instituições da UE devem aprofundar a regulamentação e os registos do lobbying, para garantir que as decisões políticas possam ser escrutinadas.
E não pode fazer-se nada?
O barómetro permite verificar como atitudes e experiências da corrupção divergem entre os países da União Europeia, os próximos da UE (candidatos ou membros recentes) e os da antiga União Soviética (hoje membros da Commonwealth of Independent States). Estes últimos, por exemplo, sofrem das mais altas taxas de suborno. Nos outros, há algumas semelhanças surpreendentes, com os franceses e os russos a pensar que os seus governos não fazem o suficiente para combater a corrupção.
Transversal a todos é, porém, a sensação de impotência: 27% de todos os inquiridos consideram que o cidadão comum não pode fazer nada para combater a corrupção. E os restantes dividem-se conforme as suas realidades. Na UE, onde a corrupção percepcionada é sobretudo a nível institucional, político, a melhor forma de reagir é denunciar os incidentes de corrupção. Já nos países CIS a atitude vista como mais eficaz é recusar pagar subornos.
Mesmo considerando que a denúncia é a forma mais eficaz de combater a corrupção, os dados mostram que, na prática, raramente alguém o faz. Menos de um em cada cinco pessoas que disseram ter pago luvas no último ano reportou o caso às autoridades. E a principal causa disso é o medo de represálias, como perder o emprego (30%). O medo é um factor que atravessa as três regiões, mas em França, Suíça, Portugal e Holanda metade ou mais dos inquiridos diz que é o principal motivo para não haver denúncias (50 a 56%).
A segunda razão apontada para o encolher de ombros é a dificuldade de prova (14%) e a terceira o considerar que a denúncia não vai fazer qualquer diferença (12%), o que sugere uma quebra de confiança nos canais de denúncia ou mesmo que reina a impunidade sobre a corrupção.
Curiosa é a forma como as diferentes regiões encaram a denúncia. Na União Europeia, quase metade dos inquiridos considera-a socialmente aceite – aqui Portugal destaca-se, juntamente com a França, com níveis de aceitação na ordem dos 75%. Mas em países como o Montenegro, Bielorússia, Ucrânia, Hungria, Bulgária, Lituânia, Arménia, Rússia e Bósnia Herzegovina a denúncia é muito mal aceite socialmente (entre 10 e 17%). O problema está na forma como os cidadãos são, ou não, protegidos depois de fazerem uma denúncia.
O último barómetro da corrupção da Transparência Internacional é de 2013 e teve ainda um âmbito mundial, enquanto este é o primeiro feito por grandes regiões, para dar resposta às especificidades de cada uma e permitir alargar o número de entrevistas em cada uma. Diferente é o Índice de Percepção da Corrupção, que é baseado, não nos cidadãos, mas nas opiniões de observadores externos (académicos, homens de negócios, organizações internacionais).