Para bem da Caixa
A Caixa é coisa séria, mas a vida pública também. Se António Domingues quer sucesso, já não tem alternativa senão rasgar este acordo que propôs ao Governo.
Façamos um esforço de memória: qual de nós se lembra, nas últimas décadas, de ver devassada a vida de um presidente da Caixa? Quem se lembra de ver uma notícia só com a declaração de rendimentos ou de património de um deles? Nenhum de nós de lembra, porque nunca aconteceu.
O caso sobre a declaração de rendimentos de António Domingues chegou tarde, dois meses depois de ele chegar ao lugar. Chegou à socapa, pela voz de um comentador televisivo que por acaso é conselheiro de Estado, Marques Mendes. E chegou como uma bomba, porque destapou um acordo que, a acreditar no banqueiro, foi feito com o Governo e sem que ninguém soubesse - pelos vistos, nem o Presidente da República.
Há três razões que explicam este súbito interesse nacional pelo património acumulado por António Domingues. E o mais certeiro é este mesmo: todos sabíamos que a sua contratação implicava um maior esforço salarial para o Estado, só que ninguém sabia que implicava um acordo para a ocultação de dados.
O sítio de onde vem o novo presidente da CGD leva-nos ao segundo motivo da polémica. Ao contrário do antecessor, que é quadro do Banco de Portugal, Domingues veio da banca privada. E, vindo do BPI para o banco público, tem mais obrigações de transparência do que quem esteve sempre no sector público e fez do interesse público (bem ou mal) a sua vida profissional. Em sentido contrário, lembramo-nos bem do que aconteceu com outro presidente da Caixa, Carlos Santos Ferreira. E como nos lembramos, preferimos que tudo fique claro desde o primeiro minuto.
O último motivo é o plano de Domingues para a Caixa. Diz ele que o banco público precisa de 5 mil milhões para estabilizar e voltar a cumprir o seu papel. É muito mais dinheiro do que José de Matos previa, muito mais do que a oposição acha necessário. E este dinheiro é dinheiro dos contribuintes. É por este motivo que não chega a Domingues argumentar que a CGD tem que se comportar, no mercado, como um banco privado. É que no plano ético terá que se comportar sempre como um bem público.
Percebemos bem, como eu próprio já escrevi, que a Caixa está a meio de um processo que tem que correr bem. Percebo que para isso é preciso que toda esta polémica acabe depressa. Mas, como disse e bem o Presidente Marcelo, Domingues só conseguirá estabilizar a Caixa se rasgar essa parte do acordo e entregar a declaração, voluntaria e rapidamente. Será pessoalmente custoso, sim. Mas é bom ter isto em conta: se a Caixa é coisa séria, a vida pública também.