Que mundo queremos para nós e para os nossos descendentes?
O estado do planeta e a dinâmica de degradação do ambiente que se gerou nas últimas décadas exigem a colaboração e a ação de nós todos.
A pergunta enunciada pressupõe que cada um pode fazer alguma coisa por um mundo partilhado por mais de 7300 milhões de companheiros. Será que pode? Se imaginarmos que a resposta é negativa estamos a assumir que o mundo se move por meio de forças incontroláveis fora do alcance do homem. Não é assim! Cada um de nós pode efetivamente contribuir, embora de forma diferenciada, para um mundo mais equitativo e solidário, com melhor qualidade de vida e de bem-estar, mais sustentável tanto para nós, como para as gerações futuras.
Para tal é imprescindível desenvolver a curiosidade, procurar obter informação, chegar ao conhecimento, participar e finalmente atuar. Na área do ambiente, como em muitas outras, a curiosidade e o interesse por compreender os fenómenos que observamos e nos afetam é essencial para participarmos na resolução dos desafios atuais. Temos todos de fazer esse esforço para interpretar e compreender o que se passa à nossa volta sem preconceitos prévios e guiados pelo método científico que nos trouxe tantos benefícios desde o século XVI.
A situação do mundo é preocupante em vários aspetos que vão desde a degradação da democracia em vários países do Ocidente e para lá do Ocidente, ao agravamento sistemático das desigualdades, ao terrorismo disperso pelo mundo, às guerras civis no Médio Oriente, às vagas sucessivas de refugiados, a cerca de 800 milhões de pessoas que sofrem a fome ou a malnutrição (World Food Programme, Nações Unidas, 2016), a cerca de 3,4 milhões, grande parte crianças, que morrem por ano com doenças provocadas pela má qualidade da água (Organização Mundial de Saúde (OMS), 2016), à poluição do ar, da água, dos solos e dos oceanos, à desertificação que progride em várias regiões do mundo, tal como no Sahel, Nordeste do Brasil, partes da Ásia, incluindo o Norte da China, à desflorestação das florestas tropicais a um ritmo médio anual de cerca de oito milhões de hectares no período de 2001 a 2014 (Matt Hansen, University of Maryland, 2015), à perda de biodiversidade terrestre e marinha e às alterações climáticas. Estas são preocupantes porque constituem uma ameaça crescente e progressivamente gravosa para muitos setores socioeconómicos se adiarmos as soluções. Sabemos como controlar as alterações climáticas, mas tardamos em agir de forma decidida à escala global.
Para resolver estes problemas é necessário mudarmos para um paradigma de desenvolvimento que seja globalmente sustentável. Tornou-se urgente compreender e assumir que estamos num planeta com recursos naturais finitos e com um ambiente já bastante degradado pelo que é necessário lutar por uma vida humana digna e aumentar a resiliência dos sistemas humanos. Nos países com economias avançadas devemos diminuir as desigualdades e passar a ter padrões de produção e consumo sustentáveis à escala global. Se os atuais padrões médios de produção e consumo das economias mais avançadas se generalizarem a todo o mundo os subsistemas biogeofísicos do sistema Terra serão profundamente transformados e essa transformação acabará por ser muito gravosa para todos os humanos.
É necessário usar nas nossas casas e na nossa vida em geral sistemas energéticos mais eficientes, poupar energia e se possível usar energias renováveis. Racionalizar a mobilidade e consumir menos combustíveis fósseis. Poupar água e não desperdiçar alimentos. Calcula-se que cerca de um terço dos alimentos produzidos no mundo anualmente, no valor de cerca de um milhão de milhões de dólares, são desperdiçados nos sistemas de produção ou consumo. Cada ano o conjunto dos países com economias avançadas, como é o caso de Portugal, desperdiçam 222 milhões de toneladas de alimentos (Food and Agriculture Organization, 2016). Números chocantes quando há milhões de pessoas com fome ou malnutridos. De acordo com a OMS havia em 2014 no mundo 1900 milhões de pessoas de mais de 17 anos com excesso de peso, dos quais 600 milhões eram obesos.
Num relatório da OMS publicado em setembro conclui-se que 92% da população mundial vive em locais onde por vezes a poluição do ar excede os limites estabelecidos pela organização. Praticamente impossível escapar à poluição generalizada do ar. O Institute of Health Metrics and Evaluation estima que morrem prematuramente no mundo cerca de 5,5 milhões de pessoas devido à poluição do ar. Uma parte significativa destas mortes dão-se na China e na Índia devido à poluição provocada pelas centrais térmicas a carvão. Num dia poluído em Beijing ou Nova Deli a concentração de partículas finas PM2.5 atinge 300 microgramas por m3 quando o nível máximo recomendado é dez. Na Europa a poluição do ar em várias cidades mantém-se ou agrava-se. Esta forma de poluição é considerada o maior risco ambiental para a saúde humana na União Europeia. De acordo com um relatório da Agência Europeia para o Ambiente de 2015 morrem prematuramente na Europa 430.000 pessoas devido à poluição atmosférica. Em Portugal metade das 12 cidades portuguesas analisadas pela OMS em 2014 excediam o limite fixado por esta organização para um dos dois poluentes do ar avaliados, PM2.5 e PM10.
Em 15 de março de 2016 a OMS estimou que morrem prematuramente por ano no mundo 12,6 milhões de pessoas por trabalharem ou viverem em locais onde o ambiente está degradado, devido à poluição do ar, da água, dos solos, à exposição a produtos químicos tóxicos, à radiação UV ou a desastres naturais relacionados com o tempo, tais como temporais, ciclones tropicais, inundações, cheias, secas, ondas de calor e fogos florestais, cuja intensidade e frequência está a aumentar com as alterações climáticas.
Na frente da biodiversidade as notícias são também preocupantes. Estamos a avançar para a sexta extinção massiva de espécies comparável às cinco anteriores que se deram por causas geológicas ou colisões de grandes asteróides ou cometas com a Terra nos últimos 450 milhões de anos. Não interessa atribuir culpas pelo estado a que se chegou mas sim decidirmos coletivamente se queremos ou não continuar a destruir a biodiversidade da Terra, arriscando efeitos futuros gravosos sobre a nossa civilização, que desconhecemos ou conhecemos de forma limitada. No passado foram necessários dez a 30 milhões de anos para a vida na Terra recuperar das cinco anteriores extinções. Tenho curiosidade em conhecer as novas espécies que vão surgir na Terra depois da 6.ª extinção massiva antropogénica, caso ela aconteça, mas é difícil satisfazê-la! Um estudo da World Wildlife Fund publicado em outubro de 2016 conclui que as populações de vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) decresceram de 58% entre 1970 e 2012. Se o atual ritmo de degradação ou destruição de habitats permanecer calcula-se que o decréscimo atingirá 67% em 2020.
No dia 4 de novembro de 2016 o Acordo de Paris obtido na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas entra em vigor. É um passo muito importante. Praticamente todos os países do mundo reconheceram publicamente a necessidade de combater as alterações climáticas e revelaram a sua contribuição nacional de mitigação, ou seja, de redução das emissões de gases com efeito de estufa. Porém estes compromissos nacionais não são ainda suficientes para assegurar que não se ultrapassa um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície de 2º C relativamente ao período pré-industrial. Os compromissos atuais conduzem a cerca de 3,6º C. O Acordo de Paris inclui mecanismos de revisão dos compromissos de mitigação pelo que é ainda possível não ultrapassar os 2º C. Mas temos pouco tempo para o conseguir e para lá de 2º C os impactos das alterações climáticas tornam-se muito gravosos. Para um aumento da temperatura de 3ºC o degelo dos campos de gelo da Gronelândia torna-se irreversível e provoca uma subida do nível médio global do mar que atingirá cerca de seis metros após alguns séculos. Um estudo recente sobre o Mediterrâneo publicado na revista Science no dia 2 de novembro de 2016 conclui que acima de 2ºC os ecossistemas do Mediterrâneo serão profundamente transformados. No Sul de Portugal o montado dificilmente resistirá a aumentos da temperatura média global superiores a 2º C.
É altura de decidir e de agir. O principal objetivo da COP 22, que começa em Marráquexe no dia 7 de novembro de 2016, é pôr em prática o Acordo de Paris. O estado do planeta e a dinâmica de degradação do ambiente que se gerou nas últimas décadas exigem a colaboração e a ação de nós todos. Os tecno-otimistas estão convencidos que a tecnologia resolve todos os problemas da humanidade incluindo os ambientais. Porém, a tecnologia tem também tendência a criar problemas sociais e a agravar as desigualdades. A ciência e a inovação tecnológica são cada vez mais necessárias para atingirmos um mundo sustentável mas constituem apenas parte da solução. Sem respeitar a dignidade humana e a nossa relação com o ambiente teremos um mundo fragmentado, profundamente desigual, violento e pressionado por migrações incontroláveis.