Uma em cada cinco deputadas já foi alvo de assédio sexual
Inquérito a 55 deputadas de vários países do mundo denuncia casos de discriminação dentro dos parlamentos.
Uma deputada de um país europeu chegou a receber mais de 500 ameaças de violação no Twitter em apenas quatro dias. Outra mulher, deputada de um país asiático, recebeu uma ameaça directa sobre o seu filho – e esse alguém sabia exactamente a idade da criança, a escola que frequentava e a turma. Violência verbal, ameaças de morte e assédio sexual contra as mulheres na política são um fenómeno “real e generalizado” em todo o mundo, denuncia um estudo da Inter Parliamentary Union (IPU), alertando que a discriminação das mulheres deputadas compromete a democracia e os esforços pela igualdade de género.
As conclusões, publicadas nesta quinta-feira pela organização sediada em Genebra, baseiam-se num inquérito a 55 deputadas de vários parlamentos em todo o mundo.
A violência psicológica – como ameaças de morte ou de rapto – têm “níveis de prevalência preocupantes”. A frequência com que acontecem “outras formas de violência – sexual, física, económica – é inferior, [mas] continua a ser preocupante”. Afecta deputadas em todos os países, mas é mais frequente naqueles onde há mais para fazer na luta pelos direitos das mulheres e nos países marcados por um contexto de insegurança ou hostilidade a esses direitos.
Neste inquérito foram ouvidas 55 mulheres de 39 países: 18 deputadas em África, 15 na Europa, dez na Ásia-Pacífico, oito no continente americano e quatro no mundo árabe. A maioria das mulheres (58%) pertenciam a partidos no poder, contra 42% a partidos da oposição.
Quase dois terços das deputadas (65,5%) dizem ter sido alvo de comentários sexistas humilhantes (várias vezes ou frequentemente). E “na grande maioria dos casos, alguns comentários foram feitos no Parlamento pelos colegas homens – tanto de outros partidos como do próprio partido”. Nas redes sociais também foram humilhadas. E o mesmo aconteceu algumas vezes em contactos por telefone, email e em reuniões de trabalho político.
Cerca de 44,4% das mulheres deputadas disseram ter recebido ameaças de morte, violação, sequestro, ou mesmo de rapto e morte sobre os seus filhos.
Ao mesmo tempo, mais de 80% disseram ter sido alvo de um ou mais actos de violência psicológica. À pergunta sobre se foram vítimas de violência sexual uma ou mais vezes, 21,8% responderam “sim”. E 32,7% disseram ter tido conhecimento de que foram cometidos abusos a colegas deputadas. Em relação a actos de violência psicológica, 78,1% responderam ter tido conhecimento uma ou mais situações destas cometidas contra colegas no Parlamento.
O assédio sexual, conclui a IPU, é uma prática comum – uma em cada cinco mulheres inquiridas disse ter sido alvo de assédio sexual enquanto era deputada. E 7,3% foi alvo de tentativa forçada para ter relações sexuais.
O relatório diz mais: outras mulheres fizeram alusão ao facto de terem sido vítimas de “gestos inapropriados e forçados, como colocar a mão nos seios ou nas nádegas. Estes actos aconteceram geralmente no Parlamento e, em menor escala, durante reuniões políticas, na vida privada e mesmo em jantares oficiais, workshops ou viagens no estrangeiro”. Os autores dos actos de assédio e violência são, na sua maioria, colegas homens deputados, mais do que outros cidadãos (eleitores).
Os dados mostram que estes comportamentos contra as mulheres deputadas existem, com diferentes graus de intensidade, em diferentes países, comprometendo um “número significativo” de responsáveis políticas.
Sendo o fenómero visível e reconhecido, diz a IPU, é preciso que existam soluções ou que elas sejam encontradas, para que os responsáveis políticos (homens e mulheres) e os parlamentos (enquanto instituições) dêem o exemplo. O estudo faz um apelo a esses mesmos responsáveis políticos: “Têm de pôr ordem nas suas próprias casas, se não quiserem legitimar a discriminação e a violência contra as mulheres em todas as outras esferas da vida, pública e privada”.
Na IPU estão representados 170 parlamentos nacionais, como é o caso da Assembleia da República portuguesa, e 11 instituições regionais, entre elas o Parlamento Europeu.