UTAO avisa: medidas do OE podem não satisfazer Bruxelas

As autoridades europeias pedem medidas de consolidação equivalentes a 1% do PIB, mas no OE apenas é possível encontrar medidas a valer 0,34% do PIB.

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Mário Centeno prevê défice de 1,6% em 2017 Miguel Manso

Se se olhar apenas para as metas do défice, a proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo parece ter sido feita à medida das exigências das autoridades europeias, com um défice de 1,6% em 2017 e uma redução de 0,6 pontos percentuais no défice estrutural. Sendo assim será que teremos desta vez uma aprovação fácil de Bruxelas às contas portuguesas? A Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República avisa que não.

Na sua análise à proposta de OE entregue pelo Governo no passado dia 14 de Outubro os técnicos da UTAO assinalam que as medidas que são incluídas na proposta orçamental parecem ter um efeito directo de redução do défice que é bastante mais baixo do que aquele que é preciso para atingir as metas desejadas e cumprir aquilo que são as exigências europeias.

A UTAO começa por assinalar que, num cenário de políticas invariantes (isto é, no caso hipotético de não serem adoptadas quaisquer medidas pelo Executivo), o défice ficaria em 2,4% em 2017, segundo as contas do Governo, isto é 0,8 pontos percentuais acima, dos 1,6% estimados. No caso da Comissão Europeia e do Conselho das Finanças Públicas, a diferença é um pouco superior, de cerca de um ponto percentual.

Em princípio este seria o valor que o Governo teria de apresentar em medidas de consolidação, para poder atingir as metas pretendidas. No entanto, a UTAO diz que o efeito directo (de primeira ordem) das medidas anunciadas pelo Governo na proposta de OE não vai além de 645 milhões de euros, isto é, 0,34% do PIB.

É por isso que, a UTAO afirma que as medidas apresentadas “podem vir a ser consideradas insuficientes”. “As medidas discricionárias de consolidação apresentadas no relatório da Proposta do OE/2017 e no Projecto de Plano Orçamental, as quais, recorde-se, representam 0,34% do PIB, podem vir a ser consideradas insuficientes para fazer face ao ajustamento estrutural recomendado pelo Conselho no âmbito do Semestre Europeu, o qual tem subjacente a necessidade de medidas de consolidação de cerca de 1% do PIB”, diz o relatório.

De acordo com a UTAO, em vez de uma redução do défice estrutural de 0,6 pontos percentuais, as medidas podem apontar para uma deterioração ligeira deste indicador, algo que seria visto com muito maus olhos em Bruxelas.

A UTAO explica que aquilo que está implícito nas projecções do Governo é que as medidas adoptadas tenham um efeito positivo na economia de tal dimensão que podem acabar por ajudar também na redução do défice por via indirecta. São os chamados “efeitos de segunda ordem”.

“Por efeito de segunda ordem, encontra-se projectada uma melhoria do saldo orçamental em 0,44 pontos percentuais do PIB, o correspondente a 763 milhões de euros face ao cenário de políticas invariantes”, diz a UTAO, que alerta que uma dimensão tão grande deste tipo de efeitos (quando comparados com a dimensão das próprias medidas) “reveste-se de incerteza e constitui um factor de risco sobre as projecções orçamentais apresentadas”.

O risco torna-se particularmente elevado se se levar em conta aquilo que tem sido a prática da Comissão Europeia nos últimos anos, tanto em Portugal como noutros países. Bruxelas mostra sempre grandes reticências em aceitar que, medidas como as do aumento dos salários da função pública, por exemplo, possam acabar por compensar grande parte do aumento da despesa com ganhos de receita decorrentes do estímulo que é dado à economia.

Do lado do Governo têm sido várias as declarações de optimismo em relação à forma como o OE irá ser recebido pelas autoridades europeias. Também Marcelo Rebelo de Sousa tem revelado confiança. “Penso que a Comissão Europeia se sente confortável com a meta que está prevista para o próximo ano”, disse o presidente da República esta segunda-feira,

Na sua análise ao Orçamento, a UTAO deixa ainda outros avisos, que podem constituir riscos para as metas orçamentais. Uma é a possibilidade do programa de recuperação de dívidas fiscais a lançar pelo Governo no final deste ano poder vir a ser considerado como uma receita extraordinária, uma classificação que não lhe é dada no OE, e que impediria que contribuísse positivamente para a redução do défice estrutural. Outra são os diversos riscos encontrados no cenário macroeconómico do OE, e do qual depende uma parte importante da melhoria das contas.

A UTAO queixa-se também da falta de informação disponibilizada no OE. O problema mais comum está relacionado com “a ausência da estimativa de execução para as receitas e despesas de 2016 em contabilidade pública”. Normalmente, no relatório das propostas de OE, são apresentadas estimativas para os resultados finais registados no total do ano que está a decorrer.

Esses números são muito úteis porque permitem verificar qual a variação implícita nos montantes da receita e da despesa previsto para o ano seguinte.O problema é que, como assinala a UTAO, o Governo preferiu desta vez voltar a apresentar como ponto de comparação apenas a previsão de execução feita em Março quando publicou o OE 2016.

Para além deste problema, a UTAO revela que lhe falta informação vária relativa a diversas medidas anunciadas no OE. Em destaque, está por exemplo a previsão de aumento da receita com vendas em 596 milhões de euros que aparece inscrita no OE, o aumento das receitas correntes em 620 milhões de euros e a baixa de 900 milhões de euros em despesas com consumos intermédios.

Algumas destas queixas têm vindo também a ser apresentadas pelo PSD, que coloca em causa o cumprimento normal do processo de discussão parlamentar do OE.

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