“A CGD pode abrir um problema muito sério noutros bancos”
O Governo foi "desastroso" a gerir os problemas do sistema financeiro, acusa Passos.
A estratégia socialista prejudicou a venda do Novo Banco e ainda pode criar um problema com a CGD, diz o líder do PSD.
Uma crítica que fazia, há escassos meses, a este Governo era sobre a gestão dos dossiês da banca. Hoje o BPI parece mais tranquilo, o BCP está próximo de ter um novo accionista maioritário (chinês). E a CGD tem um plano de recapitalização aprovado. Sente que os problemas começam a ser resolvidos?
Acho que o Governo foi desastroso a lidar com os problemas do sistema financeiro. Desastroso. Em primeiro lugar, porque mal entrou em funções permitiu, lidando incorrectamente com a situação, que se gerasse um problema com o Banif que teve consequências para o sistema financeiro e para o Estado português.
Como sabe, o Governo diz ao contrário: que a culpa foi do Governo anterior.
Sei qual é a propaganda que faz. Mas foi este primeiro-ministro a comunicar a resolução.
Mas disse que concordava.
O que eu disse é que quando um banco chega àquela situação, só há duas soluções: ou é resolvido ou liquidado. Não estou na oposição a fazer uma política de terra queimada. Deixei que o Governo resolvesse aquela situação, mas o Governo aumentou o problema. Quando apanhei com o problema do Banif esse problema era muito maior do que quando saí do Governo. E era muito maior na CGD, e muito maior nos outros bancos. Em quatro anos, a situação no sector financeiro evoluiu de forma favorável. Os bancos fizeram uma desalavancagem grande ao financiamento externo, não havia dinheiro para o Estado nem para os bancos (pelo que eles tiveram que comprimir o crédito). Mas ao mesmo tempo resolveram, nos seus balanços, uma parte significativa dos problema herdados do passado. Nos quatro anos em que fui primeiro-ministro, estimo que o sistema financeiro tenha limpo 20 mil milhões de euros. Só a CGD fê-lo em 5 mil milhões.
Ficaram outros 20 mil milhões.
Ainda haverá outros 20 para limpar, mas aliviou-se. Quando ouço o primeiro-ministro dizer que herdou uma situação caótica, não! Herdou muito menos de metade da situação que herdei.
Mas dizia que foi desastroso. Porquê?
Por todo o processo de recapitalização da Caixa, e pelo condicionamento de venda do Novo Banco, que pode ter resultado em prejuízos significativos. Foi frequente ouvir o ministro das Finanças recordar datas para fazer a liquidação do banco, ou mesmo ameaças da eventual necessidade de vir a nacionalizar o próprio banco. Não é possível que alguém que esteja com a missão de vender um banco para garantir a estabilidade...
Essas ameaças não vieram de Mário Centeno...
Desculpe, mas acalentou-as. O ministro das Finanças podia ter logo resolvido dizendo que a nacionalização não está em questão. O Governo deixou isto em aberto, não facilitou a venda. E as ameaças quanto à data de liquidação não ajudam o banco. Foi desastroso nesta matérias.
Mas foi desastroso também na Caixa em vários sentidos. Em primeiro lugar quase deixou a Caixa sem administração. Em segundo, propôs-se fazer um processo de reestruturação preparado por quem nem era ainda administrador do banco. Repare: a mesma pessoa que não era administrador da Caixa e tinha condicionado até a decisão de aceitar ser presidente à solução que se encontrasse em Bruxelas para a recapitalização, acedeu a toda a informação privilegiada da CGD quando não tinha ainda qualquer responsabilidade formal nessa administração. E essa mesma pessoa, hoje, ao abrigo do sigilo, recusa-se a dar a conhecer ao Parlamento aquilo que ele próprio conheceu quando ainda nem era presidente da Caixa.
O Banco de Portugal sabia e Frankfurt negociou com ele, mesmo nessas circunstâncias.
Está errado. E não é pelo facto de em Frankfurt e Bruxelas se tentar encontrar uma solução para um problema grave que o próprio Governo criou, mantendo em gestão demasiado tempo uma administração e não conseguindo nomear outra, isso não é desculpa para aquilo que aconteceu. Foi em Frankfurt que se recordou ao Governo português quais eram as leis em Portugal. Nomeadamente não aceitando para futuro que o modelo proposto pelo Governo pudesse permanecer.
Mas mais: passou-se todo este tempo e ainda não sabemos o que vai ser a recapitalização da Caixa. E o Governo não diz. Diz que teve um acordo geral para poder fazer a recapitalização, não sabe se a vai fazer este ano ou não. O que sabemos, em todo o caso, é que o valor máximo de capitalização corresponde a uma sobrecapitalização. O Estado vai lá injectar mais dinheiro do que é necessário. Ao fim destes meses todos, o Governo diz que já decidiu com Bruxelas como vai fazer a recapitalização, mas não diz quanto vai lá pôr. Alguém compreende uma situação destas?
Falta uma auditoria, para saber quanto é.
Muito bem, o novo presidente da Caixa também já disse que não fazia a auditoria. Vamos ver como vai fazer. Mas vou dizer uma última coisa: apesar de ter limpo 5 mil milhões durante quatro anos, no balanço da Caixa, que respeitam a operações no essencial anteriores aos quatro anos em que estive no Governo, muitas das operações de crédito que poderão ser mais ou menos provisionadas na Caixa são operações de sindicatos bancários que envolvem, nomeadamente o Novo Banco e o BCP. Se o Governo decidir provisionar em excesso na Caixa, pode abrir um problema com consequências muito sérias noutros bancos. Julgo que a forma como o Governo está a tratar esta matéria não é a de molde a salvaguardar a estabilidade. Dito isto, tem havido um coro muito grande de opiniões a elogiar o que se tem feito no sistema financeiro, eu devo dizer que não entendo porquê.
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