Opinião: A química imitou com sucesso a vida

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Richard Feynman, que num discurso visionário em 1959 falou de um mundo muito pequeno, à escala do nanómetro DR

A humanidade constrói máquinas desde os seus primórdios, e se pensarmos no que significa ser humano, construir máquinas é claramente uma das características a considerar. Quando pensamos em máquinas, vem-nos à mente uma ideia de algo grande e ruidoso, que transforma combustível em trabalho mecânico, que nos move, que nos transforma e que transforma o planeta à nossa medida. Mas esta noção é redutora e as máquinas não têm que ser grandes.

Richard Feynman, um dos mais conhecidos físicos modernos e laureado com o Prémio Nobel, num célebre e visionário discurso em 1959 no Caltech (There’s plenty of room at the bottomHá muito espaço lá no fundo) abriu uma janela sobre um mundo muito pequeno, à escala do nanómetro – 0,000000001 metros – onde teorizou sobre a existência futura de pequenas máquinas que poderiam executar inúmeras funções, desde movimento a armazenamento de informação. Nanotecnologia foi um conceito cunhado bem mais tarde, mas no fundo é do mesmo que se trata.

Pois bem, os esforços de Jean-Pierre Sauvage, Fraser Stoddart e Benard Feringa foram coroados agora pela Academia Sueca, que lhes galardoou o Prémio Nobel da Química de 2016 “pelo design e síntese de máquinas moleculares”. E foram grandes esforços para produzir coisas muito pequenas – moléculas – capazes de efectuar movimentos controlados após o fornecimento de energia. Química em movimento, capaz de produzir pequenas máquinas moleculares.

Os laureados com o Nobel da Química deste ano fizeram coisas notáveis e extraordinárias com moléculas, tais como as “correntes” e os “músculos” moleculares produzidos pelo laboratório de Jean-Pierre Sauvage, os “elevadores” moleculares sintetizados no laboratório de Fraser Stoddart e os “motores” moleculares e mesmo o extraordinário “nano-automóvel”, com tracção às quatro rodas moleculares, produzido no laboratório de Benard Feringa.

Estes sonhos, tornados realidade, oferecem inúmeras esperanças futuras na criação de pequenas e ainda mais complexas máquinas moleculares, capazes de efectuar funções neste mundo nano, com implicações no mundo maior. Como referido por Olof Ramström, em nome do Comité Nobel da Química no texto relativo a este Prémio Nobel, “estamos na madrugada de uma nova revolução industrial no século XXI e o futuro mostrará como a maquinaria molecular se poderá tornar uma parte integral das nossas vidas”. E talvez cumprir o outro sonho, que é ter essas máquinas a construir novas máquinas.

No entanto, as máquinas moleculares de Jean-Pierre Sauvage, Fraser Stoddart e Benard Feringa, extraordinárias como são, não fazem mais do que já acontece com as moléculas biológicas, verdadeiras máquinas moleculares desenvolvidas pela evolução e selecção natural ao longo de milhares de milhões de anos. As máquinas biomoleculares, normalmente proteínas, trabalham e interagem umas com as outras de forma precisa e bem regulada, como uma grande máquina de relógio. Fazem movimentos, processam sinais, guardam informação e auto-replicam-se. Fazem tudo isto com um propósito, que é manter a vida. São máquinas moleculares de vida.

O Nobel que agora atribuído é uma vitória da química, que conseguiu com sucesso imitar a vida.

 

Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa, Oeiras

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