Desde que Fernando Rosas se opôs à instalação do Centro Português de Fotografia no Porto com o argumento de que se iria obrigar os atarefados investigadores lisboetas a deslocar-se ao Porto, essa remota povoação nortenha, que não lia nada de um tão rematado provincianismo centralista como as recentes declarações do director adjunto do Museu Gulbenkian, Nuno Vassallo e Silva, que afirmou ao PÚBLICO que a decisão de manter a Colecção Miró no Porto revela “uma visão provinciana”. E porquê? Porque não acredita que a presença destas 80 e tal obras de Miró “faça desviar os turistas que vão [ver os Mirós] a Barcelona, a Madrid ou a Nova Iorque”. E já os desviaria se a mesmíssima colecção ficasse em Lisboa?
Não chega a perceber-se se Vassallo e Silva está a dizer que o Porto é, em si mesmo, provinciano, ou se acha provinciano pretender-se descentralizar a oferta cultural naquele que é seguramente um dos países mais centralistas da União Europeia. Ou o problema é ter-se sabido aproveitar uma oportunidade e mantido os Mirós em Portugal, quando deveriam ter sido vendidos a quem lhes soubesse dar melhor proveito? Nenhuma das hipóteses torna menos inquietante o facto de alguém que pensa assim ter podido exercer funções como efémero secretário de Estado da Cultura e director-geral do Património Cultural.
No mesmo artigo que abria o PÚBLICO de quarta-feira, Álvaro Siza já respondia involuntariamente a Vassallo e Silva quando sublinhava que “os Mirós ficam bem não importa onde”. Responsável pelo projecto arquitectónico da exposição que se inaugura esta sexta-feira na Casa de Serralves, Siza acrescentava, com a menos provinciana das sinceridades, que preferia ter os Mirós perto de casa, porque assim os poderia “ir ver com mais facilidade”.
Para infelicidade do director adjunto do Museu Gulbenkian, os Mirós ficarão mesmo no Porto. O ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, já deixou claro que a decisão política está tomada, e resta apenas saber onde ficará fisicamente instalada a colecção e como irá ser trabalhada e divulgada. Tanto a tutela como a autarquia têm mantido esse segredo bem guardado, e todas as tentativas do PÚBLICO para saber pormenores, que também incluíram a Fundação de Serralves, esbarraram na declaração lacónica de que “as informações sobre o destino da colecção Miró serão prestadas amanhã [sexta-feira], no Porto, pelo senhor primeiro-ministro e pelo senhor presidente da Câmara Municipal do Porto”.
Não parecendo provável que existam neste momento condições para se construir um novo museu de raiz, o que se espera é que Rui Moreira anuncie em Serralves em que edifício já existente na cidade tenciona instalar os Mirós. Têm sido aventados vários locais, do antigo Cinema Batalha ao palacete Pinto Leite, que até já foi vendido. Outra hipótese seria o palacete dos Viscondes de Balsemão, que Álvaro Siza parece achar uma solução viável, já que, além de espaço suficiente, “tem a vantagem”, lembra, de pertencer à Câmara. Mas o palacete está localizado na já muito turística Baixa do Porto, em pleno coração da movida portuense, e Rui Moreira tem sempre defendido a ideia de que é preciso animar as zonas mais deprimidas da cidade. Princípio que poderia tornar mais atractivo o cenário do Matadouro, para o qual está previsto um centro de artes e património. No entanto, o ambicioso projecto que o vereador Paulo Cunha e Silva imaginara para o local pode não ser facilmente conciliável com um museu de dimensão institucional inevitavelmente forte.
Não é sequer de excluir – embora seja improvável – que a futura casa dos Mirós acabe, afinal, por não ser anunciada esta sexta-feira, mas decerto ficaremos pelo menos a saber qual a solução institucional encontrada. E parece difícil que ela não passe por Serralves. É certo que o Museu Nacional Soares dos Reis tem um pequeno núcleo de arte portuguesa do século XX, com obras de Dórdio Gomes, Eduardo Viana, Júlio Resende ou António Quadros, entre vários outros, mas quando nos perguntamos que instituição portuense tem o dinamismo e as competências necessárias para gerir uma colecção como esta, Serralves é a resposta mais óbvia.
É verdade que o Museu de Serralves é de arte contemporânea, e que não faria grande sentido acolher estas obras na sua colecção, mas como sugeriu ao PÚBLICO o seu ex-director artístico, João Fernandes, “os projectos dos museus também são flexíveis”, e já não pareceria tão absurda a ideia de se criar um pólo de Serralves, ou um qualquer modelo de parceria, noutro local da cidade. Menos claro é que a fundação, que já só está agora a expor os Mirós porque o anterior titular da Cultura, João Soares, praticamente o impôs, se mostre interessada em assumir esta responsabilidade, num tempo de severas restrições orçamentais e quando tem pela frente a empreitada da construção e gestão da Casa Manoel de Oliveira. A solução poderia passar por compensar financeiramente Serralves, como vem sendo feito com o Centro Cultural de Belém, cujos cortes orçamentais têm sido atenuados por acolher a Colecção Berardo.
E ao contrário do que parece pensar Vassallo e Silva, não é nada certo que esta colecção não constitua um factor de atracção cultural importante para o Porto. Estas oitenta e tal obras abarcam todas as sucessivas fases da extensa produção de um dos pintores que ajudou a definir a arte moderna e cuja criação atravessou, sem perder relevância ou influência, uma boa parte do século XX. Uma parte, aliás, muito pouco representada nos museus da cidade.