Em 2017 vai ser possível usar o Andante até à Trofa
Área Metropolitana testou, na semana da mobilidade, serviços disponíveis em vários pontos de uma região que tem um oferta muito díspar.
Apanhar um comboio no Interface da trofa ou um autocarro na central de camionagem de Oliveira de Azeméis é a melhor forma de percebermos o nível de disparidade entre os serviços oferecidos a quem, na Área Metropolitana do Porto (AMP), usa o transporte público. Esta quinta-feira é Dia Europeu Sem Carros mas a região ainda tem muito que fazer para, do ponto de vista da qualidade de serviço, convencer mais e mais gente a deixar o automóvel em casa nas deslocações quotidianas. A integração de mais linhas no Andante é um desses desafios e, para além das 36 carreiras de autocarro que vão aderir, agora, ao sistema intermodal, vai ser possível, no início do ano, ir de comboio até à Trofa com este cartão.
Na semana da mobilidade, o PÚBLICO acompanhou, na terça-feira, uma equipa da autoridade de transportes da AMP numa viagem de 167 quilómetros (245,5, no nosso caso), que passou do extremo sul ao norte da área metropolitana, experimentando comboios, metro, autocarros e respectivos interfaces, e assistindo a curtas reuniões com responsáveis locais pelo sector. Tratou-se de uma jornada de 13 horas e meia que permitiu perceber como a mobilidade regional está montada em cima de uma densa rede de auto-estradas mas carece de investimentos urgentes para convencer os habitantes a usar (ou voltar a usar) o transporte público.
Chegar antes das 8h45 à estação da Linha do Vouga em Espinho, o ponto de “partida” para esta jornada, implicava, no caso do jornalista do PÚBLICO, sair de casa de carro ainda antes do sol nascer, percorrer três quilómetros até à estação de metro de Vila do Conde, para apanhar um “expresso” que em 40 miniutos nos poria na Trindade, no Porto. Dada a hora, ainda há lugares de sobra para estacionar o carro, e livramo-nos de, como todos os dias, ter de o deixar num terreno de terra batida (ou poças de água, em dias de chuva) que há dez anos espera pelas obras da Metro que o hão-de tornar no parque de estacionamento de apoio à principal estação da cidade. Enquanto não passa a park&ride, o sítio mantém o estatuto de park&dust, para felicidade dos postos de lavagem auto locais.
A viagem, como quase sempre, faz-se sem sobressaltos. Raramente o metro não cumpre o que promete no horário e, após o transbordo na Trindade, da Linha Vermelha para a Linha Amarela, e uma curta viagem com duas paragens nesta última, chegamos a São Bento muito a tempo de subir as escadas e apanhar o comboio que tem partida marcada para as 7h50, com destino a Aveiro. Fruto do alargamento da intermodalidade, é possível usar o mesmo cartão Andante para viajar nesta linha até ao nosso destino. Se os 33 quilómetros entre Vila do Conde e o Porto implicam um cartão Z6 (seis zonas), para fazer os 20 que nos separam, pela Linha do Norte, de Espinho, basta um Z4.
Para além da equipa do PÚBLICO, vai pouca gente na composição que começa a viagem na hora marcada. Tudo parecia correr bem, até que, logo em Campanhã, um tempo de paragem excessivo prenuncia um primeiro atraso. Felizmente, como planeamos a viagem deixando 19 minutos de diferença entre a a hora provável de chegada a Espinho e a partida do comboio na Linha do Vouga, não deve haver problemas, pensamos. Mas uma nova paragem, ainda mais demorada, nas Devesas, em Gaia, motiva protestos de uma passageira atrapalhada com a hora de chegada e obriga-nos a avisar o responsável pela equipa da Autoridade de Transportes, Avelino Oliveira, que já nos esperava com uma comitiva que integrava os autarcas dos municípios servidos pelo “Vouguinha”. Primeira alteração ao plano: sem tempo para fazer, como previsto, a pé os 500 metros que separam as duas estações em Espinho, o motorista do autarca local teve de nos dar uma boleia.
Só assim chegamos a tempo à velha estação de comboios, onde nos esperava uma automotora totalmente vandalizada com tags numa estação a precisar, também ela, de uma intervenção urgente para a retirar do estado lastimoso em que se encontra. A comitiva, de umas quinze pessoas, compõe a facturação do revisor, que não venderá, neste percurso, meia dúzia de bilhetes mais. A linha de bitola métrica, em via única e cheia de curvas garante pouco conforto e o material circulante não ajuda. Os autarcas de Espinho, da Feira, de São João da Madeira e de Oliveira de Azeméis (neste caso Hermínio Loureiro, que é também líder da AMP), insistem na necessidade de alocar fundos para uma reabilitação desta linha que, até Aveiro passa em centros urbanos populosos e que, melhor ligada, em Espinho, à Linha do Norte, poderia permitir fazer em uma hora o percurso mais a norte, entre Oliveira de Azeméis e o Porto.
Um estudo com alguns anos, coordenado pelo académico Álvaro Costa, especialista em mobilidade, apontava para a necessidade de 68 milhões de euros para a modernização da linha. Os autarcas já admitem fazer o projecto por menos, retirando-lhe algumas valências, mas lamentam, como referiu Hermínio Loureiro, que o país não o tenha colocado na lista de investimentos candidatos aos fundos do chamado Plano Juncker. A obra está nos PEDU (Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano) dos quatro concelhos da AMP por onde a linha passa na área metropolitana, mas não há, nos fundos regionais, verbas disponíveis para a executar. Até lá, o Vouguinha vai continuar a prestar um mau serviço e a encher, nos dias de Verão, em que o desejo de praia tudo perdoa.
O problema dos interfaces de transportes
Chegados a Oliveira de Azeméis no horário previsto – passa das 9h45 e viajamos uma hora no Vouguinha – temos outro problema. A estação de camionagem fica longe da estação de comboios e, para cumprir o horário de saída prevista para São João da Madeira, temos de recorrer a um mini-bus dos serviços de transporte urbano local, que esperava por nós. Ganhamos tempo para apreciar as péssimas condições da central de autocarros – um espaço privado, arrendado à Transdev – que deixa Avelino Oliveira a protestar, desde logo, pela total ausência de informação ao público, bem visível, sobre os destinos e horários de partida e chegada previstos, pelo menos. O espaço é inóspito, desconfortável, com casas de banho indignas desse nome. Quando saímos no autocarro, uma família tenta parar um carro e descarregar passageiros e malas, mas não tem um espaço próprio para o fazer, e incomoda, sem querer, a saída do transporte público.
Lado a lado com as estações e o serviço da Linha do Vouga, esta “central de camionagem” é o pior que encontraremos neste roteiro. Com Hermínio Loureiro a queixar-se por não poder intervir no espaço, Avelino Oliveira insiste que os interfaces são tão importantes como os meios de transporte em si, e olha com melhor cara para o que vê minutos depois em São João da Madeira. No Centro Coordenador de Transportes falta informação no painel electrónico, o parque de estacionamento para automóveis é pequeno e a pagar, mas o espaço está bem ligado, por escadas rolantes, à principal avenida da cidade e, noutro ponto, à estação do Vouguinha. Parece que estamos noutro século, e a demonstração de pequenos veículos eléctricos da empresa local ERT, que o município pretende pôr a funcionar, em regime de uso partilhado, na cidade, é outra prova disso. A Sul, Oliveira de Azeméis investe também em bicicletas eléctricas (que não chegamos a ver), e em Vila do Conde, como veremos à tarde, o sistema BiConde vai fazendo, devagar, o seu caminho, chegando aos 600 utilizadores inscritos.
O autocarro entre São João da Madeira e o Porto cumpre o horário, mas despeja-nos na rua, em vez de entrar na Estação Atlântico, suposto ponto de término da viagem. A poucos metros dali, o interface de autocarros das Camélias é só um pouco melhor do que o pior que já vimos hoje. Há uns abrigos para passageiros, mas a informação, seja ela de que tipo for, é escassa – não vislumbramos uma seta a indicar uma casa de banho, por exemplo. Tudo parece feito para quem sabe de cor onde se dirigir, e nada está preparado para ajudar o cliente a saber toda a oferta (que não é pouca, em número de ligações) disponível a partir deste ponto, ou quanto tempo falta até à chegada ou partida do autocarro que lhe interesse.
A situação também não agrada à Câmara do Porto, que colocou a questão dos interfaces no topo das suas prioridades e, depois de resolvida a situação na Casa da Música, vai mexer no do Bom Sucesso, explicou a vereadora com o pelouro da Mobilidade, que se juntou à comitiva nesta fase do percurso. O funicular dos Guindais (serviço com um preço turístico e só acessível, com o Andante, a quem tenha uma assinatura válida para a área central da cidade em Gaia), ajuda-nos a vencer o desnível entre a zona alta e a marginal ribeirinha. E depois de uma pausa para almoço à beira rio, o teleférico de Gaia leva-nos, na margem sul, do rio até ao Jardim do Morro, serviço inestimável realizado por uns nada módicos cinco euros que o transformam num transporte pouco público.
E o metro para a Trofa?
Estamos de novo no Metro. Agora vamos a caminho da Póvoa de Varzim, onde a câmara nos mostra o projecto de transformação da antiga garagem da transportadora Linhares numa nova “porta”, central, para a estação terminal da linha Vermelha do metropolitano. Ao lado, a EN13 continua a ser uma ferida, a dividir a Praça do Almada, e o município anseia pelo dia em que consiga tirar dali os 600 autocarros diários (alguns de linhas nacionais) que lá param, em vez de usarem a estação de camionagem. Um desses autocarros, um serviço local, leva-nos para sul, meia dúzia de minutos, até ao mercado de Vila do Conde, onde o vereador António Caetano torce um pouco o nariz à possibilidade de criação de um projecto de transporte urbano nestas duas cidades se não for possível criar corredores dedicados que garantam a fiabilidade do serviço.
Por falar em fiabilidade, o autocarro que nos levará até à Trofa atrasa-se ao percorrer a EN13 e chega logo atrás de um outro de um concorrente, que faz, em parte, o mesmo percurso. Por causa disto, quase não apanhará clientes no trajecto pela EN104, onde é impossível ultrapassar e, dessa forma, recuperar o tempo perdido. Com o atraso, a reunião na Trofa é encurtada (há transportes para apanhar, de regresso a casa), mas ainda há tempo para perceber que, tal como nos vizinhos da Póvoa e Vila do Conde, há uma oposta nos modos suaves (percursos pedonais e cicláveis) e que o interface da cidade é, como diz o presidente da Câmara, Sérgio Humberto, o segundo melhor da região, depois de Campanhã. Um parque de estacionamento grande, e ainda cheio, às 19h, revela o sucesso da Linha do Minho, desde a sua requalificação. O autocarro que nos há-de levar de volta a Vila do Conde, passa, como muitos outros, por aqui.
Lá dentro, três pessoas observam o autarca e o tema da conversa muda, e toca na ferida dos trofenses. “Está ali o presidente e os maiorais. E o metro? Pergunta alguém. Metro, só se for o da costureira, responde uma mulher, incrédula”. O interface está preparado para receber a extensão da linha de metropolitano da Maia, mas a obra não está entre as prioridades da tutela, para angústia de quem, há anos, perdeu essa outra ligação ferroviária com a promessa de passar a ter um transporte moderno, que afinal nunca chegou. A boa notícia é que os utilizadores do comboio vão poder, em Janeiro, usar o Andante nas suas deslocações quotidianas para o Porto naquele que é mais um passo para transformar este cartão num bilhete único, intermodal, utilizável em toda a região.