Comissão propõe ao Governo unidades para doentes incuráveis na maioria dos hospitais
Doentes esperam 25 dias por vaga em Lisboa e 2 no Algarve. Plano estratégico para cuidados paliativos é divulgado esta quarta-feira e prevê também a formação teórica e prática nesta área para futuros médicos.
A Comissão Nacional dos Cuidados Paliativos, empossada pelo Ministério da Saúde em Junho, quer que a maioria dos hospitais passe a ter unidades de cuidados paliativos para que o Serviço Nacional de Saúde consiga ter uma resposta adequada às pessoas com doenças incuráveis e graves. O Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos – Biénio 2017-2018, a que o PÚBLICO teve acesso e será quarta-feira colocado em discussão pública, defende a criação deste tipo de unidades em todos os hospitais com mais de 200 camas. Propõe também que, no final de 2018, os hospitais universitários e os três institutos de oncologia (IPO) passem a ter serviços de cuidados paliativos de referência. Actualmente, há 362 camas nesta área e calcula-se que sejam necessárias entre 414 e 517.
Em Portugal, estima-se que entre 75 mil a 89 mil doentes necessitem de cuidados paliativos em cada ano, mas não é possível contabilizar quantas pessoas com doença incurável e progressiva acabam por ter acesso a este tipo de apoio especializado. Apenas se sabe que em 2015 foram internados em unidades de cuidados paliativos 2115 pacientes e que 3715 foram observados por equipas especializadas. Em Portugal, mais de 60% dos óbitos ocorrem em hospitais.
“Não temos números fidedignos porque há doentes que são vistos por equipas intra-hospitalares e essas consultas não são registadas”, explica a coordenadora da Comissão Nacional dos Cuidados Paliativos, Edna Gonçalves. Melhorar o sistema de informação é justamente um dos objectivos traçados no plano estratégico que propõe também um aumento substancial das equipas comunitárias (profissionais que vão a casa dos doentes) - das actuais 20 para entre 66 e101 até 2018.
No documento propõe-se também a mudança da lógica que preside ao funcionamento de uma parte das unidades de cuidados paliativos actualmente em funcionamento. Das 26 a funcionar, 22 estão integradas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). Destas, metade estão instaladas em hospitais e as outras funcionam maioritariamente em instituições de solidariedade social. Agora, a comissão sugere a conversão das primeiras (e são 11 com um total de 183 camas) em unidades hospitalares, “passando a ser financiadas e geridas de forma semelhante aos outros serviços de internamento do hospital, o que permitirá agilizar admissões e altas”.
O problema é que muitas destas unidades surgiram no âmbito da RNCCI, que acolhe doentes em convalescença e reabilitação, o que contribuiu para que se gerasse “confusão” entre estes tipo de cuidados, justifica-se. Por isso mesmo também se desaconselha a abertura de novas unidades de cuidados paliativos no âmbito da RNCCI . "É difícil dar altas nesta rede, o processo é burocrático e demorado", explica Edna Gonçalves.
Mais vagas para doentes
A nova forma de funcionamento permitirá agilizar todo o processo e conseguir, de forma mais rápida, arranjar vagas para os doentes, muitos deles com pouco tempo de vida. Veja-se o que que aconteceu em 2015: no Algarve, um doente que necessitou de cuidados paliativos mais complexos aguardou dois dias por uma vaga numa cama hospitalar, enquanto em Lisboa e Vale do Tejo a espera prolongou-se por 25 dias e no Norte, por 13. O segredo da rapidez do Algarve tem uma explicação. “O hospital de Portimão já está a funcionar numa lógica de hospital de agudos. Telefona-se, pede-se uma vaga e o doente entra, à semelhança do que acontece nos cuidados intensivos”, exemplifica a médica.
As unidades de cuidados paliativos da RNCCI que estão localizadas fora dos hospitais públicos, propõe-se ainda, devem, no prazo de três anos, ser convertidas noutra tipologia. "Não se pretende fechar estas unidades", enfatiza Edna Gonçalves. Há várias alternativas. Podem transformar-se noutra tipologia de cuidados, em unidades de convalescença ou equipas domiciliárias. “Não é fechar, é reorganizar e aproveitar os profissionais que lá estão”, insiste a médica, que nota que os cuidados paliativos são uma área de especialização clínica.
Sugere-se igualmente a criação de consultas de paliativos em todos os agrupamentos de centros de saúde (ACES) para que este tipo de apoio chegue a um maior número de doentes . "Há ACES que têm milhares de utentes e precisariam de ter três equipas comunitárias, mas, por enquanto, ter uma já seria muito bom", defende a coordenadora da comissão.
Outro dos objectivos passa por generalizar a formação em cuidados paliativos, teórica e prática, nas faculdades de medicina.e também nos cursos de enfermagem.
Notícia corrigida às 12H18 desta quarta-feira. Por lapso, escreveu-se que "Agora, a comissão sugere a conversão destas últimas...". A versão correcta é: "Agora, a comissão sugere a conversão das primeiras..."