Alimentação e doença de Alzheimer
Nas fases mais avançadas da doença, as alterações globais na alimentação podem intensificar-se com dificuldades na própria capacidade em deglutir.
Hoje assinala-se o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, uma doença do foro neurológico que afecta 4,7 milhões de pessoas no mundo. Trata-se da forma mais comum de demência, já que representa entre 50% a 70% de todos os casos desta patologia. De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, todos os anos são registados quase oito milhões de novos casos de Alzheimer no mundo.
A doença de Alzheimer provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível, principalmente do funcionamento cognitivo (memória, atenção, concentração, linguagem, pensamento, entre outras). No entanto, sendo uma doença do cérebro, também se verificam alterações noutras funções (ex: motora, emocional e comportamental).
À medida que a doença de Alzheimer vai afectando as várias áreas cerebrais, vão-se perdendo certas funções ou capacidades, o que se repercute na realização das diferentes actividades da vida diária.
Um dos aspectos afectados, vulgarmente desconhecido ou pouco abordado quando se fala de doença de Alzheimer, é o da alimentação. A perda de capacidades cognitivas e alterações fisiológicas podem interferir na alimentação e nutrição destas pessoas. Adicionalmente, podem surgir alterações na mastigação e problemas de deglutição, acentuados não só pela idade, mas também pela doença e que contribuem para agravar a situação.
São várias as causas possíveis da falta de apetite na pessoa com doença de Alzheimer, entre as quais se destaca o facto de:
— O centro da fome no cérebro, o hipotálamo, responsável pelo apetite, pode tornar-se disfuncional;
— Poderem existir alterações da visão ou do olfacto;
— Poder, igualmente, existir uma alteração do paladar, o que pode fazer com que a comida seja menos apetitosa;
— Algumas doenças crónicas ou certos medicamentos também poderem diminuir o apetite;
— Quando a pessoa ainda vive sozinha ou com pouco apoio, pode esquecer-se de cozinhar e de se alimentar;
— Ambientes novos ou não familiares poderem originar agitação e confusão;
— Distracções, tais como muito barulho ou muita gente, poderem influenciar negativamente a refeição;
— Alimentos pouco atractivos, refeições repetidas ou odores inoportunos contribuem para a recusa alimentar.
Algumas pequenas medidas poderão ajudar a tornar as refeições mais fáceis:
— Usar taças ou chávenas, em vez de pratos, e maiores do que as porções de alimentos, para evitar que se entornem.
— Não utilizar utensílios de plástico por serem demasiado leves para se manipularem e poderem partir-se na boca.
— Servir alimentos que se possam comer com as mãos, tais como pedacinhos de batata cozida, queijo, mini-sandes, pedacinhos de frango, fruta ou vegetais, pois, muitas vezes, as pessoas com demência recusam sentar-se para comer.
— Se necessário, dar instruções verbais como “mastigue agora”, “engula agora”, espaçadamente.
— Humedecer os alimentos com molho.
— Servir alimentos macios e finamente cortados.
— Evitar extremos de temperaturas como o muito quente e/ou muito frio.
— Se a pessoa necessitar de ser alimentada, oferecer alimentos pequenos, um de cada vez, pacientemente.
— Não alimentar a pessoa deitada.
— Se for necessário, reaquecer a comida.
Mas não só a ingestão de alimentos pode estar afectada; também a ingestão de líquidos pode estar comprometida.
A desidratação é uma das principais causas de problemas de saúde geral na pessoa com demência, mas é frequente existir uma recusa na ingestão de líquidos.
Algumas das estratégias para fomentar o consumo de líquidos podem passar por:
— Preparar infusões, sumos sem açúcar, bebidas energéticas e sopas mais líquidas, que podem ser ajudas preciosas na manutenção dos níveis de hidratação.
— Deixar sempre água disponível perto da pessoa, pronta a servir.
— Promover a ingestão de líquidos em pequenas porções ao longo de todo o dia.
— Experimentar acrescentar água com gás nos sumos, servir as bebidas a diferentes temperaturas e observar se existe preferência por alguma destas opções. Por vezes, existem alterações na sensibilidade intra-oral (boca) que podem também condicionar a ingestão de líquidos.
Nas fases mais avançadas da doença, as alterações globais na alimentação podem intensificar-se com dificuldades na própria capacidade em deglutir. Estas dificuldades em deglutir (disfagia) podem provocar, em casos mais graves, aspirações de alimentos para os pulmões. É importante estar atento a sinais de infecção respiratória, engasgamento, alterações na voz e a tosse frequente durante e após as refeições. Poderá ser necessária a intervenção médica de um nutricionista ou de um terapeuta da fala para avaliação e intervenção em casos de alterações na deglutição. Esta interligação multidisciplinar pode tomar várias formas e é fundamental para assegurar o bem-estar físico e nutricional da pessoa.
Terapeuta da Fala no NeuroSer, doutorada em neurociências cognitivas
(O NeuroSer é um centro dedicado às doenças neurológicas, sob direcção clínica do Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas, actual director do Instituto de Ciências de Saúde da Universidade Católica Portuguesa)