As FARC escolhem a paz em congresso guerrilheiro

Transformação do movimento armado num partido político vai ser decidida antes do referendo de 2 de Outubro. Apoio ao acordo de paz está a descer nas sondagens.

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Membros das FARC que assistem ao congresso LUIS ACOSTA/AFP
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Discurso de "Timochenko", líder supremo das FARC LUIS ACOSTA/AFP
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Em sentido, ouvindo o discurso do líder "Timochenko" LUIS ACOSTA/AFP

O camuflado militar foi substituído por t-shirts brancas com o cartaz da “conferência nacional guerrilheira” em tons de azul no peito. “Timochenko”, o líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), discursou num palco rodeado de todo o seu estado-maior central, vestido da mesma maneira, com um ecrã gigante por trás. Pela primeira vez aberto aos jornalistas, o congresso é o momento em que as bases guerrilheiras ratificarão os acordos de paz de Havana e renunciarão às armas, para transformar as FARC num partido político.

Cerca de 900 jornalistas, de 350 organizações, desaguaram em El Diamante, uma zona remota do Sudeste da Colômbia, nas planícies do Yarí, na Amazónia, terras de pasto abundante, boas para a criação de gado, para assistir ao momento histórico. Para ali chegar, são seis horas por uma estrada não alcatroada, cheia de buracos, vindo de San Vicente del Caguan, povoação com cerca de 40 mil pessoas, onde se cruzam rancheiros e pessoal que trabalha nas explorações de petróleo, descreve a Associated Press. A cidade cresceu, desde que em 2002 o Governo a reconquistou à guerrilha marxista.

Até dia 23, El Diamante transforma-se num centro de notícias mundial. “Timochenko” e outros membros do seu estado-maior vieram por via área de Cuba, em companhia da Cruz Vermelha Internacional, sem receio de serem presos, depois de o Estado colombiano ter suspendido os mandados de captura que pesavam sobre eles. Foram até libertados temporariamente 24 guerrilheiros que estavam presos para irem assistir ao congresso.

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"Timochenko", líder supremo das FARC John Vizcaino/REUTERS

Ao discurso inaugural de “Timochenko” – Rodrigo Londoño Echeverri de seu verdadeiro nome – assistiram cerca de 250 guerrilheiros, num desarrumo colorido das suas roupas civis, mas alinhados em rectas rigorosas, e em sentido. “Nesta guerra não há vencedores nem vencidos, os nossos adversários viram-se obrigados a reconhecer os nossos direitos políticos”, afirmou o líder das FARC.

Mas a maioria das discussões políticas do congresso passar-se-ão a porta fechada – em instalações erguidas à pressa para o efeito – embora não haja dúvidas de que o acordo de paz, conseguido a 24 de Agosto em Havana, será aprovado pela cúpula dirigente. “É o acontecimento mais importante da nossa história. Claro que temos a certeza que vai ser aprovada a passagem das FARC de uma organização política militar para uma organização política aberta”, garantiu à AFP Carlos Antonio Losada, dirigente da guerrilha.

Se o congresso der luz verde à paz, “Timochenko” assinará os acordos ao lado do Presidente Juan Manuel Santos a 26 de Setembro, numa cerimónia em Cartagena das Índias, na costa das Caraíbas.

O referendo de 2 de Outubro será o culminar de todo este processo, que poderá pôr fim ao mais longo conflito da América Latina – mais de meio século de violência, que envolveu outras rebeliões de extrema-esquerda, o Exército e paramilitares de extrema-direita, fazendo pelo menos 260 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.

Mas, ao contrário do que se poderia pensar, os colombianos não se sentem muito satisfeitos com o acordo de paz. Ainda que os líderes das FARC andem em viagem pelo país a pedir perdão. Encontraram-se com sobreviventes de massacres, como o de La Chinita, no Norte do país, em 1994, em que guerrilheiros dispararam sobre uma festa, julgando que ali estavam membros de outra guerrilha, matando 43 pessoas. E também com familiares de 11 deputados estaduais de Cali, que raptaram em 2002 e executaram em 2007, por suspeitarem que havia uma operação militar a caminho para os libertar. “A morte destes deputados foi a coisa mais absurda que vivi durante esta guerra, o episódio mais vergonhoso”, reconheceu o comandante Pablo Catatumbo, citado pela AFP.

A mais recente sondagem, publicada na sexta-feira pelo diário El Tiempo, dava 55,3% a favor do “sim” ao acordo – menos 9,5 pontos que há uma semana. Para que a consulta popular seja válida é preciso que pelo menos 13% dos eleitores recenseados o aprovem (cerca de 4,5 milhões de eleitores num universo de cerca de 34,9 milhões de colombianos).

Factor importante nesta resistência ao acordo é a hostilidade que o ex-Presidente Alvaro Uribe sempre dedicou às negociações com as FARC. A agência EFE noticiou esta semana que ele e outro ex-Presidente, Andrés Pastrana, pediram aos chefes de Estado e de Governo estrangeiros que não venham assistir à cerimónia de assinatura do acordo de paz por “Timochenko” e Santos, porque se “trataria de uma intromissão em assuntos internos” da Colômbia, que poderia influenciar a votação de 2 de Outubro.

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