Governo da Colômbia e FARC fecham histórico acordo de paz em Havana

Já há acordo para pôr fim ao mais longo conflito civil do mundo, com mais de 50 anos e 200 mil mortos.

Foto
Em Junho, o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das FARC, conhecido como Timochenko, assinaram um cessar-fogo definitivo REUTERS/Alexandre Meneghini

Os porta-vozes das delegações que representam o Governo de Bogotá e a guerrilha das Forças Armadas revolucionárias da Colômbia (FARC) confirmaram a conclusão do processo negocial em Havana, com o fecho de um acordo histórico para pôr fim àquela que é a mais longa e mais sangrenta guerra civil no mundo. Um anúncio formal deveria acontecer ao fim do dia na capital cubana. O Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, tinha prevista uma declaração formal ao país, pela televisão.

O início do conflito remonta à década de 1960. Nos últimos 50 anos, a violência interna matou mais de 200 mil pessoas, fez quase 80 mil desaparecidos e converteu cerca de 6,6 milhões em refugiados dentro do seu próprio país. Depois de quatro anos de negociações, sob mediação de Cuba e da Noruega, o Governo da Colômbia e as FARC estão finalmente prontas para ultrapassar décadas de ódio e desconfiança e subscrever um acordo de paz, dividido em seis capítulos – que além do fim do conflito, da reparação de danos às vítimas e do futuro político dos guerrilheiros, abrange também questões de desenvolvimento rural e combate ao narcotráfico.

“O dia está próximo: vamos a caminho da paz”, anunciou o Alto Comissariado da Paz, através do Twitter. “Temos as portas abertas para o importante anúncio do acordo final.#VamosPorLaPaz”, respondeu o líder revolucionário Rodrigo Londoño Echeverri, na mesma rede social. Segundo as delegações, todos os pontos contenciosos do pacto final para a paz estavam resolvidos, faltando apenas limar alguns aspectos “técnicos” na redacção do acordo final. “Espero poder dar uma notícia muito importante, histórica, ao país ainda hoje”, disse o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, durante uma visita a uma escola.

Santos e o comandante das FARC Timoleón Jiménez (ou Timochenko) já tinham feito História, em Junho, com a assinatura de um cessar-fogo bilateral, incondicional e definitivo, que não sendo ainda o ponto final no processo de paz, já deixava claro que este surgiria em breve. O compromisso, assumido pelas duas partes, decretou o fim de todas as hostilidades – do Estado contra a insurreição, que agora depõe armas e inicia um caminho de “normalização” até se converter numa organização política pacífica e legítima.

Conforme foi estabelecido em Junho, esse processo inicia-se a partir da assinatura do acordo final de paz: essa será a data oficial para o fim de todos os ataques e ofensivas militares, e também para o processo de entrega das armas das FARC à ONU (que posteriormente deverá fundi-las e construir de três monumentos, e de desminagem do território dominado pelos guerrilheiros.

Os pontos relativos à participação política, à reincorporação na vida civil e à aplicação da justiça aos guerrilheiros foram precisamente os últimos a ser acertados entre os negociadores de Havana – como diziam os observadores do processo, antes de conhecerem o texto definitivo do acordo, o anúncio implica a existência de uma lei de amnistia, um tema sensível internamente tendo em conta as milhares de vítimas dos guerrilheiros. Um movimento liderado pelo antigo Presidente conservador Álvaro Uribe opõe-se firmemente à proposta de amnistia.

Depois de décadas de conflito ideológico – as FARC são uma guerrilha de inspiração marxista, e na sua génese combateram pela reforma agrária – o movimento armado estava agora fragmentado em dois blocos (um comando Sul e outro Ocidental) e convertido numa organização criminosa, cuja principal fonte de financiamento era o tráfico de droga e o resgate de reféns. A insurreição tinha sido empurrada pelo Exército colombiano para as zonas remotas de floresta do país, onde operam os cartéis do narcotráfico, a quem se associaram para obter receitas.

Próximos passos

Com o fim das negociações em Havana, o processo transita outra vez para território colombiano. Primeiro, o acordo final será avaliado pelo Supremo Tribunal, que terá de certificar a sua conformidade com a ordem jurídica e constitucional do país. Com o aval do Supremo, o Presidente Juan Manuel Santos pode então apresentar o tratado de paz à aprovação do Congresso, que entregará essa decisão ao povo, através da convocação de um referendo popular – a intenção do Governo é que essa consulta possa acontecer entre o final de Setembro e meados de Outubro, antes da discussão da reforma tributária e do novo orçamento.

Por se encontrarem fora do sistema, também as FARC conduzirão uma consulta aos seus membros (estima-se que sejam 7000 ou 8000), reunidos num congresso designado como Décima Conferência. A ordem de trabalhos, além da aprovação do acordo com o Estado, inclui a renúncia formal à insurreição armada e a reconversão do movimento numa organização política.

Como tudo começou

O assassínio, em 1948, de Jorge Eliecer Gaitán — que tinha sido presidente da câmara de Bogotá, ministro da Educação e do Trabalho e candidato do Partido Liberal à presidência nas eleições de 1950 — fez eclodir protestos populares nacionais que deram início a um período da História do país conhecido por La Violencia. Nunca se soube o motivo do crime. Era o candidato da facção mais à esquerda do seu partido. Na tarde em que foi morto, iria encontrar-se com um jovem revolucionário chamado Fidel Castro.

Os tumultos que se seguiram a este assassínio definiram o futuro da Colômbia. Dezenas de milhares de pessoas morreram e muitos milhares pegaram em armas, organizando-se em grupos de combate ao Governo conservador, que em 49 suspende o Parlamento e é reeleito depois de outro candidato liberal desistir após mais um assassínio, o do seu irmão.

Em 1964, após um ataque a um acampamento desta força popular por parte do Exército, foram criadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), com o ideal social marxista na sua génese. Começou então um conflito que durou 52 anos.

As FARC exigiram da oligarquia conservadora a partilha do poder, a reforma agrária — num país onde cinco milhões de pessoas foram desalojadas por milícias ao serviço dos rancheiros e por narcotraficantes. A guerrilha perdeu popularidade quando se voltou para os raptos, extorsão e criação de impostos sobre a produção de cocaína para financiar a sua luta armada.

As FARC raptaram fazendeiros, políticos e soldados, mantendo alguns dos seus prisioneiros longos anos em cativeiro na selva — um dos casos mais mediáticos foi o da candidata à presidência Ingrid Betancourt, libertada em 2008.

 

 

 

 

Sugerir correcção
Comentar