Os interesses também existem na Comissão da Transparência
Há 13 juristas entre os 23 deputados efectivos nesta comissão eventual. Movimento de Democratização dos Partidos identifica acumulação problemática.
A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas é composta por 23 parlamentares efectivos, alguns dos quais exercendo em paralelo cargos problemáticos, na avaliação do Movimento Democratização dos Partidos (MDP).
O seu relatório tem em particular atenção aqueles que declaram como actividades principais as de advogados e gestores. “Tendo em conta que um deputado tem acesso a informação privilegiada e, por vezes, reservada ou mesmo secreta, se o mesmo é simultaneamente gestor ou advogado e representa os seus clientes ou empresas em processos ou situações em que o Estado pode ser potencialmente lesado, então é porque existe uma lacuna legal que urge colmatar”, explicam.
A comissão da transparência inclui oito parlamentares que listam a advocacia como a sua principal actividade, acrescentando-se a estes cinco juristas. O caso de Fernando Anastácio (PS) suscita uma especial preocupação por parte do MDP. O deputado socialista integra a comissão de transparência e a subcomissão de ética (que partilham, aliás, a larga maioria dos membros efectivos) e acumula cinco cargos paralelamente à actividade no Parlamento. Entre eles contam-se o de advogado na sua própria empresa, Fernando Anastácio & Associados, o único remunerado, e cargos de administração em três empresas de consultoria, imobiliário e turismo e parques temáticos.
O deputado é um exemplo daquilo que o MPD pretende evitar - o “amplo conflito de interesses potencial” entre actividades empresariais e parlamentares, para o qual contribui ainda um conjunto de participações sociais de valores variáveis nas empresas em questão. No que diz respeito a ligações com sociedades de advogados, contam-se ainda nesta comissão os deputados Filipe Neto Brandão (PS), que detém 50% da participação social na A. Neto Brandão & Associados, e Paulo Rios de Oliveira (PSD), também sócio da Rios, Pinho & Cristo. O social-democrata preside ainda à assembleia geral de duas empresas de comércio vinícola e detém acções em duas empresas de imóveis sediadas no Brasil.
As participações sociais são outra das bandeiras vermelhas nos potenciais conflitos de interesses. Mas na comissão da transparência, poucos declaram possuir investimentos e todos de reduzidas dimensões: Luís Marques Guedes, do PSD, declara 20% em três sociedades agrícolas, o socialista Bacelar de Vasconcelos afirma ter participações irrisórias na EDP e na Cimpor e Duarte Marques (PSD) registou ter 5% da agência publicitária Mosca.
Mais significativos são os membros da comissão da transparência que dividem o seu tempo com cargos a nível local. São vários os deputados que acumulam com lugares em assembleias municipais: Clara Marques Mendes (Fafe), Duarte Marques (Mação), Margarida Balseiro Lopes (Marinha Grande), Susana Lamas (São João da Madeira), Filipe Neto Brandão (Aveiro) e João Torres (Maia). Sara Madruga da Costa deixou a assembleia regional da Madeira e agora está apenas numa assembleia de freguesia.
Apenas os deputados Sónia Fertuzinhos (PS), Susana Amador (PS), Pedro Filipe Soares (BE), Jorge Machado (PCP) e Vânia Dias da Silva (CDS) não declaram, à data, quaisquer participações sociais ou actividades extraparlamentares. Outros, como José Manuel Pureza (BE) ou Paulo Trigo Pereira (PS), declaram apenas pontuais cargos e actividades exteriores relacionados com a investigação ou a academia.
A disparidade de critérios no preenchimento do registo de interesses é notado pelo MPD, que já questionou a comissão de transparência sobre a dualidade na declaração de remunerações: “Por que motivo existe diversidade de critérios, havendo deputados que indicam o valor da remuneração e outros que não o fazem e, até mesmo, omitem a informação sobre se a função é remunerada?”.
O cerco aos deputados-advogados tem vindo a apertar, com vários partidos a proporem à comissão de transparência que os mesmos não possam participar nos casos em que o Estado seja uma das partes envolvidas. As propostas entregues em Maio pelos partidos à comissão de transparência encontraram terreno comum, da esquerda à direita, quanto à restrição da acumulação de cargos dos deputados. Um dos exemplos é a proposta que proibe o exercício dos cargos de presidente, vice-presidente ou vereador de câmaras municipais em simultâneo com o trabalho na Assembleia da República, bem como a sua incompatibilidade com funções em entidades administrativas independentes. Texto editado por Leonete Botelho
Texto alterado às 17h32: Corrigido o número de cargos em empresas acumulado pelo deputado Fernando Anastácio, que actualmente são cinco e não oito, como chegou a escrever-se. Ao visado e aos leitores o PÚBLICO pede desculpa pelo erro.