Construir muros é uma ilusão
O muro de Calais não resolve nenhum problema. Trata do medo e da psicologia. E pouco mais.
O mundo vai ter mais um muro e desta vez é na Europa. Vai ser construído em Calais mas será pago pelos britânicos, que querem impedir a entrada no seu país de quem vem ilegalmente do Norte da França.
Por comparação com os muitos muros existentes no planeta, este é pequeno. Tem um quilómetro de comprimento. Mas a motivação é idêntica à de muitos outros, da Cisjordânia a Berlim, passando por Marrocos ou Chipre: impedir a entrada de pessoas não desejadas. Nuns casos é o inimigo armado, noutros os traficantes de droga e de contrabando, noutros ainda os imigrantes ilegais e os refugiados.
O problema não é novo para Calais. Em 2001, Nicolas Sarkozy mandou fechar o célebre campo de refugiados de Sangatte que nascera ao pé do porto, mas os refugiados não pararam de chegar, alteraram apenas os trajectos. Quando este ano François Hollande mandou fechar “A Selva”, abriram muitas selvas ao longo da costa, algumas a 100 quilómetros de Calais. Há pelo menos seis "selvas" de refugiados na região.
A história está cheia de casos em que os muros não só foram inúteis como foram contraproducentes a curto e a longo prazo. A certeza é que não resolvem nenhum problema de fundo. Podem afastar os problemas, mas em regra nem isso acontece. É compreensível que a população de Calais não queira a sua cidade transformada num campo de refugiados e que o Reino Unido queria controlar as entradas no seu país. Mas António Guterres diz sempre que aprendeu nos seus dez anos como alto-comissário da ONU que, quando se fecha a porta, as pessoas entram pela janela e que quando se fecha a janela, quem quer entrar faz um túnel. A “contra-revolução cultural” que o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán vai propor à União Europeia dentro de dias – uma Europa com uma “democracia não liberal” – é uma Europa com mais muros. E é uma Europa que não só manterá os problemas que tem hoje, como terá outros novos e ainda maiores.