La La Land abre Veneza, mas sem jantar de gala por respeito a vítimas do terramoto
Um musical, com Ryan Goslin e Emma Stone, inaugura o festival e a competição principal da 73.ª edição.
A abertura da 73.ª edição do Festival de Veneza, título em concurso, será feita esta quarta-feira com La La Land, musical de Damien Chazelle (Whiplash), com Ryan Gosling e Emma Stone. Ele é músico de jazz, ela aspirante a actriz. As coisas complicam-se, como no Nasceu uma Estrela (George Cukor, 1954) ou como no New York, New York (Martin Scorsese, 1977), onde Robert de Niro não conseguia o acorde perfeito entre o casamento e a música. Por isso mesmo, por esses filmes anteriores, ainda pelo Do Fundo do Coração (1981), de Coppola, é preciso deitar alguma água fria nas ditirâmbicas declarações, há semanas, do director do festival, Alberto Barbera, quando anunciou que La La Land “não é apenas um filme que reinventa o género musical, coloca-o num novo ponto de partida”. Barbera faz o que tem a fazer, isto é, cria expectativa de acontecimento para o seu festival. Nós é que esperamos para ver... e enquanto isso ainda nos lembramos do vaudeville de Baz Luhrmann.
Algo do tom efusivo que é próprio dos começos de festivais estará domado por este dias: a direcção anunciou, em respeito pelas vítimas do terramoto que abalou terras italianas, o cancelamento do tradicional jantar de gala de abertura, com recepção dos convidados nas praias do Lido. Mas o espectáculo continuará certamente, mesmo sem Ryan Gosling que não virá a Veneza defender La La Land devido a compromissos de trabalho, com o desfile das duas dezenas de filmes da competição principal, Veneza 73: filmes de Emir Kusturica, Stéphane Brizé, Lav Diaz, Amat Escalante, Tom Ford, Andrei Konchalovsky, Pablo Larraín, Terrence Malick (o documentário Voyage of Time), François Ozon ou Wim Wenders. Concorrem ao Leão de Ouro, júri presidido por Sam Mendes e dele fazendo parte a cantora e artista visual Laurie Anderson, as actrizes Gemma Arterton, Nina Hoss, Chiara Mastroianni e Zhao Wei, os realizadores Joshua Oppenheimer, Lorenzo Vigas, e o argumentista Giancarlo De Cataldo.
Para já, um difuso caos de expectativas e estímulos, sinais que não podem ser totalmente descodificados. Vai dar-se o reencontro com Kusturica, que há muito andava afastado, com um filme que ficou fora de Cannes, o que o levou, na altura, zangado, a acusar a Croisette de preconceito: terá sido o seu apoio ao Presidente russo Vladimir Putin a razão para a organização do festival francês não ter seleccionado On The Milky Road (com Monica Bellucci). É esta a história dos filmes e dos festivais: não acolhidos por uns, triunfam noutros.
O que esperar ainda de Wim Wenders? Les Beaux Jours d’Aranjuez é o reencontro com Peter Handke, primeira longa-metragem em francês do cineasta alemão, a terceira em 3D, depois de Pina (2011) e do péssimo Tudo Vai Ficar Bem (2015). O que quer que se antecipe, há mais vidas para uma vida, e a prova é outro veterano, Andrei Konchalovsky, cuja carreira parecia terminada quando em 2014 reapareceu com o lindíssimo The Postman’s White Nights um dos grandes títulos de Veneza desse ano. Regressa ao concurso com Paradise.
Sete anos depois de Um Homem Singular, Tom Ford junta Jake Gyllenhaal e Amy Adams no thriller Nocturnal Animals. Ainda o par e as suas complicações: Derek Cianfrance (Blue Valentine) coloca Michael Fassbender ao lado de Alicia Vikander e Rachel Weisz a importunar a felicidade de ambos em The Light Between Oceans.
Agora sem os americanos, que muito facilmente se fazem ouvir... depois de um dos grandes filmes sobre a nossa época, A Lei do Mercado, Stéphane Brizé realiza um filme de época, adaptando Guy de Maupassant, Une vie. O mexicano Amat Escalante parecia vindo do nada quando recebeu o prémio de melhor realizador em Cannes 2013, por Heli. Agora é La Región Salvaje, fábula sobre “machismo, homofobia e repressão de mulheres”, inspirada numa história verídica. Pablo Larraín, que em Maio mostrou Neruda na Quinzena dos Realizadores de Cannes, leva a Veneza Jackie Kennedy nos seus dias a seguir ao assassinato de JFK – Jackie, com Natalie Portman –, hipótese para confirmar se o chileno está a partir de agora a querer conversar com um público global.
Completam o line-up The Bad Batch, de Ana Lily Amirpour – o segundo filme da americana de origem iraniana, depois de A Girl Walks Home Alone at Night, é uma “história de amor canibal passada num Texas pós-apocalíptico” e tem Jim Carrey no cast; El Ciudadano Ilustre, de Mariano Cohn e Gastón Duprat; Spira Mirabilis, de Massimo D’Anolfi e Martina Parenti; The Woman Who Left, de Lav Diaz; Piuma, de Roan Johnson; Brimstone, de Martin Koolhoven; El Cristo Ciego, de Christopger Murray; Frantz, de François Ozon; Questi Giorni, de Giuseppe Piccioni; Arrival, de Denis Villeneuve.
Fora de concurso: One More Time with Feeling, de Andrew Dominik, proposta de filme-performance para dar a conhecer o novo álbum de Nick Cave and the Bad Seeds, passou a ser um mergulho profundo e dramático no seu tempo de escrita e gravação; A jamais, de Benoît Jacquot, co-produção entre França e Portugal (o produtor é Paulo Branco), inspira-se em The Body Art de Don DeLillo, tem portugueses num cast dominado por Mathieu Amalric e Jeanne Balibar; The Magnificent Seven, de Antoine Fuqua (filme de encerramento), mostrará qual a oportunidade do remake do filme de 1960 de John Sturges semanas depois do afundamento, comercial e artístico, do remake de outro filme que evidenciou o fim da Hollywood clássica: o Ben Hur de Timur Bekmambetov, que refez o Ben Hur (1959) de William Wyler; Sergei Loznitsa e Ulrich Seidl apresentarão documentários, Austerlitz e Safari, respectivamente.
O actor francês Jean-Paul Belmondo e o cineasta polaco Jerzy Skolimowski (um dos acontecimentos da edição de 2015 foi da sua responsabilidade: 11 Minutos, que esta semana chega às salas portuguesas) receberão um Leão de Ouro para as respectivas carreiras.