A noite em que Obama despediu Trump com um grito de optimismo
Partido Democrata tira a noite para desfazer o candidato do Partido Republicano, que ficou numa lista entre “fascistas, comunistas, jihadistas ou demagogos internos”.
Uma semana depois de o Partido Republicano ter comparado os Estados Unidos a uma cidade decadente onde a anarquia se espalha a cada esquina, o Presidente dos Estados Unidos subiu ao palco na noite de quarta-feira, na convenção do Partido Democrata, para tentar convencer os eleitores de que “a América já é grande e forte”, e que pode precisar de muitas coisas, mas não de um “demagogo interno”.
Num dos discursos mais marcantes da sua vida política, Barack Obama usou todos os trunfos para convencer os independentes e os apoiantes mais fervorosos de Bernie Sanders a pensarem bem na escolha que têm pela frente: Hillary Clinton, uma candidata “que sabe que o país é grande, diversificado, e em que a maioria dos problemas raramente são a preto e branco”, e um candidato que venceu na vida “deixando atrás de si um rasto de processos em tribunal, funcionários sem vencimentos e pessoas que se sentem enganadas”.
Ninguém se lembra de um discurso numa convenção em que o Presidente em exercício desfez um dos candidatos adversários desta forma. Foi a noite em que o Partido Democrata deitou tudo cá para fora; em alguns momentos, chegou a usar o mesmo escorrega de Donald Trump e foi por aí abaixo, quando o candidato a vice-presidente, Tim Kaine, arriscou uma imitação de Trump: “A maioria das pessoas que concorrem à Presidência não se limitam a pedir que acreditem nelas”, disse Tim Kaine, enquanto encenava uma sofrível imitação de alguns dos gestos característicos de Trump.
Mas a estrela da noite foi Barack Obama, num longo discurso que teve um pouco de tudo – de despedida, porque está a menos de seis meses de sair da Casa Branca; de apoio incondicional a Hillary Clinton; de balanço da sua presidência; e de ataques a Donald Trump.
“Muito se passou nestes últimos anos. E se bem que esta nação foi posta à prova por guerras e recessões e todos os tipos de desafios, venho aqui perante vós, após quase dois mandatos como vosso Presidente, dizer-vos que estou ainda mais optimista em relação ao futuro da América”, disse Obama, antes de se lançar numa lição de História dos últimos oito anos – uma espécie de regresso à Idade Média no tempo medido pelas redes sociais. Falou da “pior recessão dos últimos 80 anos”, que estalou pouco depois de ter chegado à Casa Branca, da descida das taxas oficiais de desemprego, do acordo nuclear com o Irão, da aproximação a Cuba, do acordo internacional sobre as alterações climáticas e da morte de Osama bin Laden.
Mas reconheceu que ainda há muito por fazer, e que é por isso mesmo que Hillary Clinton deve ser a próxima Presidente dos Estados Unidos – um argumento a favor da continuidade, como se se tratasse de um terceiro mandato de Obama, e que é um dos maiores pesadelos do Partido Republicano de Donald Trump.
Criticando o tom da convenção do Partido Republicano, onde só ouviu “ressentimento, acusações, fúria e ódio”, o Presidente dos Estados Unidos disse que só conhece um país “cheio de coragem, optimismo e talento”.
“A América que eu conheço é decente e generosa”, disse Obama, apesar das “bolsas que nunca recuperaram do encerramento de fábricas, dos homens que se orgulhavam do seu trabalho árduo e de sustentar as suas famílias e que agora se sentem deixados para trás, e dos pais que temem que os seus filhos não tenham as mesmas oportunidades que eles tiveram”.
E Hillary Clinton é a única pessoa com capacidade para continuar o seu trabalho, principalmente agora que “tem planos concretos para ir ao encontro das preocupações que ouviu da vossa parte durante a campanha” – uma referência indirecta aos apoiantes de Bernie Sanders, alguns dos quais continuam a olhar para a candidata do Partido Democrata como uma das responsáveis do sistema político que querem derrubar.
Mas a alternativa é Donald Trump, e para Barack Obama não há muito que saber: “Ele sugere que a América é fraca. Não deve ouvir os milhões de homens, mulheres e crianças, dos países bálticos à Birmânia, que continuam a olhar para a América como a luz da liberdade, da dignidade e dos direitos humanos.”
Obama nunca o disse directamente, mas não foi preciso. O Presidente dos Estados Unidos, em plena convenção do Partido Democrata e em horário nobre das televisões nacionais, chamou a Donald Trump um demagogo com tiques de ditador, chegando mesmo a compará-lo à ameaça do terrorismo: “É por isso que quem ameaça os nossos valores, sejam fascistas, comunistas, jihadistas ou demagogos internos, falhará sempre no fim.”
Obama: Anyone who threatens values, "fascists or communists or jihadists or homegrown demagogues, will always fail." pic.twitter.com/DI77NXhlOI
— POLITICO (@politico) July 28, 2016
Já no final do discurso, passou o testemunho a Hillary Clinton, que subiu ao palco de forma inesperada pouco depois, e pediu a quem o aplaudia de pé que façam pela nomeada do Partido Democrata o que fizeram por ele nos últimos sete anos e meio. “Este ano, nestas eleições, peço-vos que se juntem a mim na rejeição do cinismo e do medo, e que mandem cá para fora o que há de melhor em nós – que elejam Hillary Clinton como próxima Presidente dos Estados Unidos e mostrem ao mundo que ainda acreditamos na promessa desta grande nação.”
"A maior riqueza de Trump é a sua hipocrisia"
Um discurso que poderia ter sido muito mal recebido pelos apoiantes de Bernie Sanders foi o do multimilionário Michael Bloomberg, o antigo presidente da câmara de Nova Iorque durante três mandatos que foi democrata até 2001, republicano até 2007 e independente desde então.
Como homem de negócios, o discurso de Bloomberg serviu para desfazer o principal argumento de Trump – que ele consegue gerir um país como se fosse uma empresa. Mas Bloomberg nem reconhece o candidato do Partido Republicano como um homem de negócios bem-sucedido, e pode muito bem ter criado um novo slogan para a camanha de Hillary Clinton: “Eu sou nova-iorquino, e os nova-iorquinos topam um charlatão assim que vêem um!”
“Trump diz que vai punir as empresas que se desloquem para o México ou para a China, mas as roupas que ele vende são feitas no estrangeiro, em fábricas com salários baixos. Diz que quer dar empregos aos americanos, mas contorna o sistema de vistos dos Estados Unidos para contratar trabalhadores temporários por salários baixos. Diz que quer deportar 11 milhões de pessoas sem documentos, mas não tem problemas em contratá-las. O que é que está a escapar-me? Verdade seja dita, a maior riqueza de Donald Trump é a sua hipocrisia”, acusou Bloomberg, que no início do ano pensou em candidatar-se como independente se os dois nomeados fosse Donald Trump e Bernie Sanders.
Mas a noite em que o candidato a vice-presidente, Tim Kaine, aceitou a nomeação, foi um autêntico roast de Donald Trump – uma daquelas sessões em que uma celebridade é sujeita a uma noite de humilhação por humoristas. Só que desta vez não havia humoristas em palco, nem ninguém estava ali para passar um bom bocado com risadas à mistura.
Num tom sério, também o actual vice-presidente, Joe Biden, lançou um feroz ataque contra Donald Trump, falando especialmente para uma camada do eleitorado norte-americano que tem escapado a Hillary Clinton: os trabalhadores brancos da classe média.
“Pense ele o que pensar, e digo isto do fundo do coração – eu sei que me chamam 'Joe da classe média' e que em Washington isso não é um elogio. Significa que não somos sofisticados. Mas este tipo não faz a mínima ideia do que é a classe média. Nenhuma ideia. Porque quando a classe média está bem, os ricos estão muito bem e os pobres têm esperança. Têm uma oportunidade. Mas ele não sabe nada sobre o que faz da América um grande país. Na verdade, ele não sabe nada, ponto final.”
Watch @JoeBiden tear down @realDonaldTrump's favorite phrasehttps://t.co/qQQEXinV4I
— Business Insider (@businessinsider) July 28, 2016