O genoma da oliveira pode levar-nos até ao azeite perfeito?

Cientistas encontraram mais de 1000 milhões de “letras” e de 1000 gbytes de informação no genoma da árvore que, concluíram, tem 56 mil genes, mais do dobro dos humanos. Agora resta usar os dados para melhorar as colheitas de azeitona e combater pragas.

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Portugal produziu 106 mil toneladas de azeite em 2015 Enric Vives-Rubio

Dizem que estas árvores são monumentos vivos. Uma descrição que as oliveiras merecem não tanto pela beleza da copa larga e tronco tortuoso mas sobretudo pela sua longevidade que pode ultrapassar os três mil anos. O exemplar que serviu para chegar ao genoma da oliveira, divulgado este mês na revista de livre acesso GigaScience, teria mais de 1200 anos. Os investigadores, numa equipa que uniu três instituições espanholas, acreditam que os dados obtidos vão servir para estudar as diferenças entre as várias variedades desta árvore, melhorar colheitas, saber mais sobre a sua impressionante longevidade e capacidade de adaptação a terrenos áridos e também podem ajudar a protegê-la dos ataques das pragas.

Qualquer investigação que se faça sobre a oliveira sublinha a sua longevidade e também o facto de ter sido uma das primeiras árvores a ser domesticadas, algo que terá acontecido há cerca de seis mil anos. É um símbolo do Mediterrâneo e, além disso ou por causa disso, é também muito importante para a economia dos principais países produtores de azeite, como a Espanha, Itália, Grécia e, ainda no quarto lugar apesar do aumento registado nos últimos anos, Portugal. O projecto que este mês foi apresentado na revista GigaScience nasceu em Espanha, que é responsável por um terço dos cerca de três milhões de toneladas de azeite que são produzidas por ano para consumo local e exportação no mundo.

A equipa de investigadores do Centro de Regulação Genómica, do Real Jardim Botânico e do Centro Nacional de Análise Genómica recorreu a uma variedade da oliveira conhecida como farga, típica do Leste de Espanha, com uma idade estimada de mais de 1200 anos, para apresentar, pela primeira vez, a sequência completa do genoma desta árvore. “Sem dúvida é uma árvore emblemática e é muito difícil melhorá-la, pois é preciso esperar pelo menos 12 anos para ver que características morfológicas terá, e se é aconselhável fazer cruzamentos”, refere Toni Gabaldón, principal autor do artigo, num comunicado de imprensa do Centro de Regulação Genómica.

Segundo explicam, este trabalho tem cerca de três anos e passou por três fases, nomeadamente o isolamento de todos os genes, depois a “construção” do genoma que coloca os genes na ordem certa e, por fim, a identificação desses genes. Segundo Tyler Alioto, investigador do Centro Nacional de Análise Genómica que também participou no projecto, “este genoma originou 1310 milhões de letras [os genes são “palavras” feitas com essas letras] e mais de 1000 gbytes de dados”. “Ficámos surpreendidos porque encontrámos mais de 56 mil genes, significativamente mais do que foi detectado na sequenciação do genoma de plantas parecidas, e duas vezes mais do que o genoma humano [que terá cerca de 20 mil genes]”, refere ainda no comunicado.

Uma árvore chamada Santander

Agora, aos 1200 anos de existência, a árvore usada neste projecto ganhou um nome: chama-se Santander.  A explicação para esta escolha é a mais óbvia: foi este banco que financiou este projecto, que assim surge como mais um exemplo de um investimento de fundos do privados no apoio da ciência. Toni Gabaldón nota que “o conhecimento da informação genética da oliveira vai permitir encontrar formas de melhorar a produção de azeitona e azeite”. E não só. O próximo passo dos investigadores será decifrar a história evolutiva desta antiga árvore que começou a ser domesticada há milhares de anos, desde a Idade do Bronze, e que actualmente tem quase mil variedades. Só assim será possível obter mais informação sobre o segredo da sua longevidade e também da sua invulgar capacidade de adaptação a condições ambientais adversas. 

Outro dos objectivos deste projecto é encontrar maneiras de proteger as oliveiras de infecções que causam grandes danos e que surgem após ataques de bactérias ou fungos bem conhecidos dos produtores. Em Portugal, a produção de azeite atingiu, em 2015, o terceiro maior volume dos últimos 100 anos com um total de 106 mil toneladas, mais 75% em comparação com 2014, segundo dados da Casa do Azeite, associação que representa os produtores. E, como muito olival novo a ser plantado no país, as previsões para os próximos quatro anos são de mais crescimento, prometendo chegar até às 120 ou 130 mil toneladas.

Mas então o genoma da oliveira pode levar-nos até ao azeite perfeito? Provavelmente, vai servir, pelo menos, para o melhorar. Teremos de esperar para ver. A questão será se estaremos cá para o provar. Elas, as árvores, estarão. O investigador Toni Gabaldón acrescenta: “Até agora todos os indivíduos sequenciados, desde a moscas da fruta até ao primeiro ser humano, viveram durante um determinado período de tempo, dependendo da sua expectativa de vida, mais depois morreram ou vão morrer. Esta é a primeira vez que se sequencia o ADN de um indivíduo [vivo] com mais de mil anos e que provavelmente vai viver outros mil.” 

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