Éderzito fez-se “Éderzão”

Da infância numa instituição de acolhimento ao golo que decidiu a final do Euro 2016 e fez chorar dois países

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Éder segura o troféu de campeão europeu, na despedida da selecção portuguesa de França Francisco Leong/AFP

Avida inteira de Éder foi uma luta. Não apenas contra os defesas adversários, mas principalmente contra o destino e contra a desconfiança. Na vida, como no futebol, o avançado acostumou-se a desafiar as probabilidades: foi ele quem marcou o golo que decidiu a final do Euro 2016 e deu o primeiro troféu a Portugal numa grande competição. Um feito de um jogador que passou por momentos complicados mas deu a volta por cima, e que assim respondeu de forma eloquente a quem o questionou, conquistando os críticos e assumindo-se como protagonista da maior façanha do futebol português.

No bilhete de identidade o nome completo é Éderzito António Macedo Lopes, mas para o mundo do futebol tornou-se simplesmente Éder. Nascido na Guiné-Bissau, viajou para Portugal ainda criança, com os pais. E percorreu um caminho longo e sinuoso até à consagração no Stade de France: conheceu o sucesso e saboreou o travo amargo do fracasso, saindo mais forte a cada golpe. “É fantástico e merecido. Estou muito contente pelo que fizemos”, sublinhou, ainda no relvado, após a final do Campeonato Europeu.

O percurso de Éder no futebol ao mais alto nível começou em 2008-09. O avançado era então um miúdo de 20 anos, acabado de chegar à Académica proveniente do Tourizense, clube-satélite do emblema de Coimbra que no ano anterior tinha disputado o terceiro escalão. Domingos Paciência treinava a “Briosa” e decidiu apostar em Éder: “Era um jovem humilde que procurava uma oportunidade, estava numa fase de afirmação. O empenho e a forma de estar dele eram de realçar. Tinha um porte físico e uma qualidade técnica com bola que o distinguiam. É um jogador que tem espontaneidade no remate, estica a equipa no ataque e joga bem de cabeça. Fui apostando gradualmente, criando as condições, e ele correspondeu aos poucos”, recordou o técnico, em conversa com o PÚBLICO.

A confiança do treinador foi recompensada com um único golo, na penúltima jornada do campeonato. “O jogo correu-me bem. Fiz um golo, que há muito vinha a tentar. Fiquei eufórico, nem sei no que pensei. Foi um golo muito importante para mim, pois foi o primeiro. Domingos Paciência foi muito importante para mim, pois deu-me oportunidades e, para quem tinha acabado de chegar da II Divisão B, isso é fundamental. Ainda há duas épocas estava no Adémia, é um sonho tornado realidade”, confessava Éder na altura, em Maio de 2009. Era o início de uma carreira em que os golos se foram somando.

Éder nunca esqueceu onde tudo começou: Adémia, uma aldeia da freguesia de Trouxemil, no concelho de Coimbra. Face às dificuldades por que passavam os seus pais, o avançado foi acolhido no lar “O Girassol”, onde chegou com dez anos. E onde, mesmo quando já era profissional, continuava a regressar para visitar os amigos de infância. Deu os primeiros pontapés na bola nas camadas jovens da Associação Desportiva e Cultural da Adémia, que disputava as competições distritais. E foi-se fazendo notar, pelos golos que marcava e pelo espírito positivo: “Com a alegria dele, tentava sempre puxar-nos para cima. É o nosso menino de ouro”, disse Ana Gomes, funcionária do lar, à agência Lusa.

“Ele teve de ir para uma instituição onde tivesse as condições mínimas, como eu tive de ir para o centro de estágios do FC Porto porque as condições em casa não eram as melhores. Isso se calhar ajudou-o a crescer”, recordou Domingos Paciência. E a pontaria de Éder começou a despertar atenções. Em 2011 recusou uma convocatória da Guiné-Bissau porque tinha o sonho de representar a selecção portuguesa. Algo que aconteceu no ano seguinte, quando já era jogador do Sp. Braga. Pela mão de Paulo Bento, estreou-se com a camisola nacional num jogo de qualificação para o Mundial. Mas o primeiro golo por Portugal só surgiria três anos depois, à 18.ª internacionalização, quando Fernando Santos já era o seleccionador.

“Num momento de grande défice de avançados, quem aparece é sempre analisado ao pormenor. Se tivéssemos outros avançados a competir com o Éder a história seria contada de outra forma”, apontou Domingos Paciência. Por essa altura, em vésperas do Euro 2016, o atacante era tratado como um “patinho feio” – ou, por vezes, até abaixo disso. Criticado pelos adeptos, continuou a merecer a confiança de Fernando Santos. E, depois de uma passagem mal sucedida pelo Swansea City, rumou ao Lille em Janeiro deste ano. Ao serviço do emblema francês reencontrou-se com os golos, que começou a celebrar com uma luva branca que levava escondida nas meias, em jeito de resposta a quem o deitava abaixo.

Perante o ruído, Éder manteve-se sempre tranquilo. “Não procuro calar ninguém. O meu objectivo é apenas ajudar a selecção. Desde criança que ultrapasso adversidades e isso tem sido muito importante na minha vida. Vou continuar a trabalhar e a dar o meu melhor”, garantia a poucos dias da estreia de Portugal no Euro 2016. Na mesma altura, na rede social Facebook, publicou uma imagem na qual se lia: “Força, subestimem-me”.

“No futebol há momentos que mudam uma vida e isso está a acontecer com o Éder. Depois de tudo o que sofreu, de tudo o que viveu, com os adeptos a não gostarem do que ele fazia, teve um momento único e deu uma alegria enorme ao país”, sublinhou Domingos Paciência. Éder aprendeu a ir buscar forças onde elas pareciam não existir com a ajuda de Susana Torres, uma “treinadora mental” com quem começou a trabalhar – e a quem não se esqueceu de agradecer, em pleno relvado do Stade de France.

Depois de ouvir de tudo, depois de ser ridicularizado e comparado a um cone de sinalização, Éder marcou um golo que fez chorar dois países: um de alegria e o outro de tristeza. Deu o primeiro título de seniores ao futebol português e ouviu o seu nome ser cantado por milhares: já não é Éderzito, fez-se “Éderzão”.

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