Um campeão europeu também se faz de sofrimento, sacrifício e lágrimas
O futebol português alcançou em Paris o maior feito da sua história. Éder foi o herói de uma equipa guerreira que derrotou a anfitriã e favorita França no prolongamento. Cristiano Ronaldo ergueu o troféu depois de ter abandonado o relvado lesionado e em lágrimas.
O palco do Stade de France, em Paris, assistiu à noite mais épica de sempre do futebol nacional, este domingo. Pela primeira vez na história Portugal conquistou um título num grande torneio e é o novo campeão europeu. O conjunto de Fernando Santos, que partiu para a final com a França com o rótulo de derrotado antecipado, venceu a favorita anfitriã do torneio, com um golo do improvável Éder, no prolongamento. Numa partida carregada de dramatismo e emoção e com Cristiano Ronaldo fora de acção logo aos 25’, devido a lesão, a equipa das "quinas" soube manter a serenidade e uma grande maturidade, tornando-se numa digna vencedora. O Euro 2016 começou com muito sofrimento para os portugueses, mas acabou em glória.
Em todos os fusos horários do globo, onde se fale português, é tempo de festejar a noite memorável a que assistiu a capital francesa. Em particular os cerca de 10 mil adeptos nacionais que se fizeram bem notar em Saint-Denis e que terão uma história lendária para contar aos netos, assim como um bilhete para colar num quadro e pendurar na sala. Nunca antes a França havia sido derrotada numa final disputada em casa e até já fizera chorar muitos portugueses no Europeu de 1984, quando derrotou a selecção nacional, nas meias-finais, em Marselha, no último suspiro do encontro. A resposta chegou 32 anos depois e de luva branca.
Mas a festa portuguesa em Paris pareceu uma realidade muito distante ainda antes da meia-hora de jogo. Cristiano Ronaldo, o capitão de Portugal e sobre quem repousavam todas as esperanças para esta final, deixou-se cair no relvado, lesionado, na sequência de uma entrada violentíssima cometida por Payet, aos 17’. Saiu uma primeira vez, foi assistido, voltou a entrar, mas não conseguiu suportar as dores. Abandonaria o campo de maca a chorar copiosamente, tal como chorara na final perdida para a Grécia no Euro 2004, em Lisboa, quando tinha apenas 19 anos. Lágrimas de impotência em ambas as ocasiões, mas bem mais sofridas desta vez. O avançado via fugir-lhe por entre os dedos a final mais importante de uma carreira onde já conquistou quase tudo. Quase: faltava-lhe precisamente um título pela sua selecção. Já não falta e foi ele quem ergueu a taça no Stade de France.
Sem a sua grande referência e depois de ter suportado uma entrada fortíssima da França no jogo, a selecção provou que não é apenas Cristiano Ronaldo e outros dez. A dramática saída do seu líder terá mesmo servido de inspiração para o que se seguiu. Uma inspiração que foi totalmente absorvida, por exemplo, pelo guarda-redes Rui Patrício, que terá feito a maior exibição da sua vida frente à França, depois de já ter salvo a selecção em outros momentos deste Europeu, nomeadamente ao travar um penálti frente à Polónia, nos quartos-de-final, que manteve Portugal na rota de Paris.
Coincidência ou não, a França também baixou consideravelmente o ritmo do encontro após o abandono forçado de Ronaldo. Face à incapacidade atacante demonstrada por Portugal (um remate em todo o primeiro tempo, que Nani atirou por cima) e perante as ocasiões que ia criando, supôs que o triunfo seria uma questão de tempo e paciência. Já a selecção nacional, cerrou os dentes e preparou-se para a batalha com todas as armas que lhe restavam. E eram quase todas defensivas.
Melhorou consideravelmente no segundo tempo, quando procurou ter mais posse de bola e com ela enervar o adversário. A luta no meio-campo foi prosseguindo sem tréguas, com Portugal a equilibrar o confronto, mas faltava-lhe uma referência atacante para ter outras ambições. Do lado francês, surgiram duas grandes oportunidades, protagonizadas por Griezmann (66’) e Giroud (75’). A dez minutos do final do tempo regulamentar, os dois seleccionadores lançaram as últimas cartadas para tentarem resolver a partida sem recurso a prolongamento. Gignac entrou para o lugar de Giroud; Éder rendeu Renato Sanches (aos 67’, Fernando Santos já chamara João Moutinho para reforçar o meio-campo: duas decisões felizes que estariam na génese do triunfo). Contas feitas, Portugal arriscava mais.
E a verdade é que o tão mal amado ponta-de-lança revolucionou o ataque da sua equipa, até então praticamente inexistente. Com grande capacidade de choque e robustez para segurar a bola, foi sofrendo inúmeras faltas e permitiu à selecção nacional estender-se mais no terreno. As oportunidades surgiram em ambas as balizas nos derradeiros instantes, com Gignac a atirar uma bola à base do poste direito da baliza portuguesa, já nos descontos. Seria o canto de cisne da selecção francesa na partida.
Nos instantes que antecederam o prolongamento, Ronaldo saiu do balneário e foi motivar cada um dos seus companheiros, como o havia feito antes da decisão das grandes penalidades com a Polónia. Um gesto de liderança de um grande vencedor. O que aconteceu na meia-hora seguinte iria chocar a França. Portugal surgiu para o tempo extra com outro espírito e vontade. Não do ponto de vista defensivo, solidário e de entreajuda, que esteve sempre presente, mas na ambição. Em dois lances de bola parada, Éder (após um canto) e Raphaël Guerreiro (na cobrança de um livre frontal cavado pelo ponta-de-lança) fizeram tremer os orgulhosos “bleus”. Ao cabeceamento de Éder conseguiu responder o guarda-redes Lloris; ao remate do luso-francês valeu a barra.
Foi o prelúdio do momento que nenhum português jamais irá esquecer. Após uma recuperação de bola, João Moutinho assistiu o luso-guineense, este libertou-se da marcação, com uma diagonal e atirou rasteiro ainda fora da área, com a bola entrar junto ao poste direito. Faltavam 11 minutos para acabar o encontro e os franceses não conseguiram mais levantar-se.
Portugal é campeão europeu e o segundo menor país em população a alcançar este feito, só superado pela Dinamarca. Estará na Taça das Confederações no próximo ano, na Rússia, a antecâmara do Mundial de 2018. O sonho de Fernando Santos não era mesmo um devaneio.