Raios X do País de Gales: menos é mais
Mais forte nas bolas paradas ofensivas do que nas defensivas, esta selecção britânica comete muitas vezes o pecado de baixar demasiado o bloco.
Um dos maiores méritos de Chris Coleman enquanto seleccionador do País de Gales foi resolver de forma adequada o quebra-cabeças imposto pela presença de dois números 10 de topo (Aaron Ramsey e Gareth Bale) numa equipa com poucos criativos. Desde aquele triunfo categórico sobre Israel (0-3), a 28 de Março de 2015, na fase de qualificação para o Europeu, que ficaram dissipadas a dúvidas. Disposta num 3x4x2x1, a selecção britânica ocultava melhor as fraquezas ao mesmo tempo que exponenciava as forças.
Com uma defesa a três, liderada em estatuto pelo carismático Ashley Williams, o País de Gales vive muito do trabalho incansável de Joe Allen e Joe Ledley num meio-campo em que nem sempre os alas se comportam de forma competente. Mas a sua dimensão ofensiva depende, naturalmente, da arte e da visão de Ramsey (ausente do jogo com Portugal) e do talento individual de Bale.
Mais forte nas bolas paradas ofensivas do que nas defensivas, esta selecção britânica comete muitas vezes o pecado de baixar demasiado o bloco, como ficou visível nos jogos com Inglaterra e Bélgica, convidando o adversário a um cerco permanente, mas revela-se perigosa nas transições, mais através da posse do que do uso da profundidade. Ancorada em processos relativamente elementares, faz da simplicidade a maior das suas armas.
Defesa: como substituir Ben Davies
Do tridente defensivo habitual, Ben Davies (Tottenham) é o mais talentoso. Actuando sobre o lado esquerdo, tem capacidade de sair a jogar (ainda que sem arriscar muito) e de dar corpo a uma ideia de jogo que, na primeira fase de construção, vive muito da protecção assegurada pelo posicionamento mais conservador de Ashley Williams.
É o capitão (forte no jogo aéreo e nas bolas paradas) que dá cobertura aos colegas de sector no momento da saída de bola, funcionando como pronto-socorro e permitindo-lhes vestir a pele de quinto e sexto médios, mas face à ausência forçada de Davies (também castigado) abrem-se duas possibilidades para completar um sector que ainda conta com o inesgotável James Chester, relativamente hábil no desarme.
A primeira hipótese passa por promover a entrada directa de James Collins (um central poderoso pelo ar e muito experiente); a segunda por recuar o ala Chris Gunter e lançar Jazz Richards, capaz de arrancar cruzamentos promissores, para a direita de um meio-campo composto por cinco elementos no processo defensivo. Esta segunda opção tem a virtude de dar mais opções a Coleman no momento da saída de bola.
Entre as fragilidades evidenciadas pelo sector, que faz marcação individual nos pontapés de canto, destacam-se o momento de sair a jogar quando os seus elementos são condicionados pela pressão adversária, a forma como lidam com as diagonais interiores e as bolas paradas defensivas, que valeram ao País de Gales alguns dissabores durante a fase de apuramento.
Meio-campo: Andy King ou Jonathan Williams?
É um facto que o País de Gales vale, sobretudo, pela solidariedade, pela organização defensiva e pela capacidade individual de Bale, mas retirar-lhe Aaron Ramsey é amputar uma fatia generosa da sua abordagem ofensiva - incluindo as bolas paradas indirectas. A suspensão do médio do Arsenal abre uma vaga no corredor central e uma discussão que, entre outras hipóteses, se centrará no cenário Jonathan Williams ou Andy King.
Williams, mais rápido, com maior cultura de risco e mais forte no um-contra-um, tem o dom de permitir mudanças de velocidade e, provavelmente, livres perigosos nas imediações da área, graças a um excelente controlo de bola que convida o adversário a cometer faltas. Muitas vezes apelidado de "Joniesta" pelos adeptos galeses, numa referência óbvia ao espanhol Iniesta, é muito dinâmico e surge com frequência em zonas de finalização.
Quanto a King, mais forte fisicamente, garante um bom jogo posicional e uma gestão um pouco mais conservadora, expondo menos a equipa no momento da transição defensiva. O facto de ter sido escassamente utilizado ao longo da época de sucesso que culminou com a conquista da Premier League pelo Leicester City poderá jogar contra si no momento da escolha.
Ao lado do “joker” galês, seja ele qual for, jogarão o imperturbável Joe Ledley (influente nas marcações e nos desarmes) e o carregador de piano Joe Allen, que muitas vezes inicia a construção mesmo que sem grandes aventureirismos. Na ausência de Ramsey, porém, poderá também assumir maior protagonismo na definição de um jogo ofensivo que depende, em larga medida, dos cruzamentos dos alas: Neil Taylor à esquerda (bolas longas, habitualmente) e Chris Gunter à direita (em regra com mais chegada à área).
Ataque: Gareth Bale e o falso nove
À imagem do que tem sucedido neste Europeu, não é de esperar grande pressão dos atacantes galeses sobre o portador da bola na fase inicial de construção. A atitude da equipa, especialmente frente a adversários habituados a controlar com bola, é quase contemplativa.
Bale e Robson-Kanu (um falso 9) vivem sobretudo na expectativa e à espera do momento de recuperação da bola, quer para iniciarem posteriormente acções de condução em velocidade (no caso do avançado do Real Madrid), quer para explorar a profundidade, especialmente nas costas do lateral esquerdo (no caso do extremo adaptado).
Poderosos no futebol aéreo, em jogadas de bola parada ou corrida, o galeses têm sido também mortíferos nos livres directos que saem do pé esquerdo de Bale, que já apontou dois golos desta forma no torneio. A capacidade de definição do mais virtuoso jogador galês dos últimos anos não se esgota, porém, na finalização, já que funciona também como uma importante fonte de assistências para golo.
Como alternativa a Robson-Kanu, Sam Vokes (Burnley) também tem mostrado atributos, revelando um assinalável poder de antecipação que vai compensando, de certa forma, um naipe relativamente limitado de recursos técnicos.