MP e defesa pedem absolvição de pais e avó de bebé que morreu após ataque de cão
Julgamento começou nesta terça-feira no Tribunal de Beja. Emoção marcou testemunhos da mãe e da avó da criança.
O Ministério Público (MP) e os advogados dos pais e da avó do bebé que morreu em 2013 depois de ser atacado por um cão de raça Pit bull, em Beja, pediram nesta terça-feira a absolvição dos arguidos pelo crime de exposição ou abandono da criança.
Depois de ouvir a descrição dos acontecimentos durante o julgamento que começou no Tribunal de Beja, o delegado do MP reconheceu não ter ficado provado que tanto a avó como os pais da criança podem ser responsabilizados pelos crimes de que são acusados. Caso o tribunal venha a reconhecer a existência de responsabilidades criminais que conduziram à morte da criança, com lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, estas devem ser “imputadas ao dono do cão”, precisou aquele magistrado.
Também Joaquim Graça, o advogado que representou o pai da criança, partilha da posição defendida pelo MP, lembrando que “foram os pais da criança que a transportaram em braços para o hospital” e refutando também a acusação de negligência, uma vez que “o menino estava habituado a relacionar-se com o animal” que o matou. Os familiares do bebé incorrem em penas de prisão que podem ir de dois a dez anos de prisão.
O dramático desenlace que veio a provocar a morte Dinis Janeiro, com 17 meses, aconteceu no dia 6 de Janeiro de 2013, pelas 18h, quando a criança se encontrava com a avó. Na descrição dos acontecimentos feita hoje perante um tribunal de júri, composto por três juízes e por quatro jurados efectivos e quatro suplentes, a mãe da criança, Vanessa das Neves, teve grandes dificuldades emocionais para recordar o que aconteceu naquele final de tarde fatídico.
O menino “andava pela casa de um lado para o outro”, começou por descrever a mãe do bebé, quando ouviu “gritos”. Assustada, dirigiu-se para a cozinha da casa, que integra um bairro social na periferia de Beja, e viu “que o menino estava deitado no chão e mexia com os bracinhos”. Quando se apercebeu de que a cabeça da criança “estava na boca do cão”, ficou aterrada e começaram então os gritos da avó e dos pais, que só conseguiram libertar o filho da boca do animal depois de o pai lhe ter apertado o pescoço com um braço.
“Eu não podia esperar pelo INEM e corremos com a criança para o Hospital de Beja, que fica perto, a cerca de 500 metros”, recordou, entre soluços e um choro convulsivo, Vanessa Neves. Dada a gravidade dos ferimentos, dali foi imediatamente transportado para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde veio a falecer. “A mim ninguém me tira a culpa até ao fim da minha vida, por ter vivido naquela casa com o cão”, confessou a mãe da criança.
A dúvida maior que marcou toda a primeira sessão do julgamento estava em saber como interpretar o que acontecera. Dinis brincava na casa com outro miúdo de quatro anos, João Tiago. “O Zico [assim se chamava o cão] fazia de cavalinho e escorregavam-lhe pelas costas, davam-lhe beijinhos e abraços”, contou ainda a mãe, garantindo que quando as crianças “brincavam com o cão estava sempre por perto”. Mas no dia da tragédia pensou que o seu filho “estava com a avó”, adianta, reconhecendo que sempre teve medo daquele cão “por causa da sua boca grande”.
Maria Antónia Janeiro, a avó de Dinis, teve dificuldade em responder às perguntas do tribunal. Também a comoção lhe tomava conta das palavras. Os juízes perguntaram-lhe se teriam havido outros episódios reveladores da agressividade do cão cruzado de Pit bull. “Tinha mordido o meu marido, num braço, tempos antes, quando este sofreu um ataque epiléptico”, enumerou. Depois, “o cão abocanhou a cabeça da criança”.
E, ao contrário do que se poderia esperar, “o Zico parecia estar calmo depois do que aconteceu”, recordou. Também os elementos da GNR que se deslocaram no dia seguinte à residência onde o cão se encontrava viram um animal calmo, sem sinais de agressividade.
O cão estava na casa de Maria Antónia Janeiro, mas o dono era um outro seu filho que vivia noutro local e recusava levar Zico para a casa onde vivia, porque estava lá outro cão. “O bicho fazia as necessidades na casa porque ninguém o levava à rua. Em dois anos, o animal só saiu três vezes”, confessou Antónia Janeiro. O dono do cão não quis prestar declarações.
O capitão Bruno Lopes, da Unidade Cinotécnica da GNR, nos esclarecimentos que prestou ao tribunal, deixou claro que “o facto de um cão ser classificado de perigoso não quer dizer que seja perigoso”. Se o animal “não fosse tolerante já teria reagido antes”, salientou o militar, admitindo como provável que o cão tenha “sido pisado ou a criança caiu em cima dele”. E quando o animal se sente ameaçado “morde”, concluiu Bruno Lopes.
Depois de ter escapado ao abate, o animal foi entregue aos cuidados da associação Animal, que decidiu chamar-lhe Mandela, em sinal de liberdade.
A sentença final vai ser lida no próximo dia 14 de Julho, às 14h30, no Tribunal Judicial de Beja.