“É como se fosse ministro”, diz Marcelo em Trás-os-Montes
Na segunda ronda do Portugal Próximo, o Presidente deixou perceber que não se opõe a referendos sobre a Europa, desde que sejam apenas sobre o seu funcionamento.
Às 10h30 da manhã já o sol escaldava no cimo de um monte de Santa Marta de Penaguião. No lugar de Concieiro, a escola primária característica do tempo do Salazar encerrada há 14 anos acolhe agora três famílias (11 pessoas, das quais cinco crianças) sem rendimentos fixos. Trabalham na jorna, em especial nas vinhas que se estendem a perder de vistas pelas encostas em redor. Ontem receberam uma visita especial: foi ali que o Presidente da República deu o pontapé de saída da segunda edição do Portugal Próximo, dedicado a Trás-os-Montes, ao seu desenvolvimento e ao combate à desertificação.
Foi ali que Marcelo Rebelo de Sousa e o presidente da câmara, Luís Machado, falaram a uma só voz sobre a necessidade da conjugação de esforços para melhor poder aproveitar os fundos do Portugal 2020. Luís Machado pediu um mini-PRODER para a região e uma Unidade de Missão para o Douro, ideia que Marcelo desenvolveu – sem que nenhum deles referisse o facto de já ter existido uma, sem frutos.
“É preciso que alguém coordene tudo, que fale com as autarquias, os produtores, os exportadores, a Comissão de Coordenação do Norte, os especialistas em turismo e ver o que é importantes fazer” em defesa da região, justificou o Marcelo. “É preciso um plano que abranja o que é possível e junte esforços”, frisou, lamentando o “nosso defeito” nacional de “cada um puxar para seu lado e termos dificuldade em juntar tudo”.
Foi o primeiro discurso do dia feito debaixo de sol, a temperatura já acima dos 30 graus. Mas as preocupações mantiveram-se à sombra, em redor da mesa do primeiro Porto de honra, em conversa mais amena com autarcas e pessoas da terra. Como a D. Ana, que se colou a Marcelo, a admirá-lo, até soltar a primeira laracha: "Está bonito, o primeiro-ministro!” Um homem ao lado logo a corrigiu, aquele era o Presidente da República. Mas Marcelo não se importou: “É como se fosse ministro!”
Não é, mas aproveitou a presença do ministro da Cultura na inauguração do Espaço Miguel Torga para dar ao Governo uma lição de política de rua: “É a proximidade que permite às pessoas conhecerem os seus governantes e identificarem-se com eles”, disse no segundo discurso sob o sol a pique. E prosseguiu com a ideia mais tarde, em Boticas, no terceiro discurso do dia à torreira do sol: “É que as pessoas precisam mesmo de comunicar, de desabafar, de sentir que se está próximo, nem que mais não seja para entregar uma carta que eu depois leio à noite”.
Marcelo parecia querer justificar a sua descida ao terreno, dizendo que “não é uma mania”, mas a comparação com o seu antecessor ainda é alvo de comentários nas ruas. Talvez por isso, no final do almoço volante no Regia Douro Park, em Vila Real, tenha tentado uma graça com o nome do doce típico que lhe foi servido: o cavacório, uma espécie de cavaca em que é deitado vinho do Porto: “Eu sempre achei que o cavaquismo era muito cheio de açúcar, muito simpático, e por isso há uma transição institucional pacífica”, disse, enquanto comia dois cavacórios.
Referendos só alguns
Num dia recheado de inaugurações – as moradias adaptadas de uma escola primária (Santa Marta de Penaguião), Espaço Miguel Torga (Sabrosa), Lar de grandes dependentes da Santa Casa da Misericórdia de Boticas e Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso (Chaves) – houve pouco espaço para a política nacional. A excepção foi a referência do Presidente aos referendos sobre a Europa.
Num discurso sobre vinhos no Regia Park, Marcelo puxou o tema do referendo à Europa, que foi proposto pelo Bloco de Esquerda, para dizer que “não faz sentido nenhum estar a criar angústias onde elas não existem”. Mas não fechou definitivamente a consultas populares sobre temas europeus,
“Há outras angústias sobre como é que a Europa deveria ser e deve ser, mas não sobre Portugal estar a sair da Europa", salientou, deixando claro considerar que se trata de "coisas diferentes". "E eu sempre que defendi referendos eram referendos sobre passos a dar na Europa, não referendos para sair da Europa", sublinhou.