Falta de recursos põe “em risco autonomia e independência” do Ministério Público
Concurso anual para a colocação dos magistrados é contestado. Sindicato dos Magistrados do Ministério Público faz apelo directo a Joana Marques Vidal.
Os associados do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) aprovaram neste sábado por unanimidade uma moção na qual defendem que a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, deve ter “outro tipo de intervenção” face à escassez de recursos humanos que, dizem, está a fragilizar esta magistratura, “amputando-a de meios e de capacidade de intervenção e colocando-a em risco na sua autonomia e independência” .
Na moção aprovada na assembleia geral extraordinária, que se realizou em Coimbra, os associados do SMMP fazem um apelo directo à procuradora-geral da República para que esta reconheça as “preocupações” destes face à proposta de movimento de magistrados apresentada este mês pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), um órgão presidido por Joana Marques Vidal. O movimento é o concurso anual para a colocação dos magistrados que não estão em lugares efectivos ou pretendem mudar o local onde trabalham ou o tipo de funções que exercem.
A forma como foi feito o movimento deste ano levou o sindicato a interpor, esta semana, uma providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo, para conseguir a respectiva suspensão, um acto inédito na história do sindicalismo das magistraturas. A moção afirma que a forma como o movimento foi conduzido constitui um “grave atropelo” de dois princípios fundamentais: o da estabilidade e o da especialização.
“A carência de quadros de magistrados do Ministério Público, que é do conhecimento de todos, não pode justificar, de modo algum, a opacidade e ambiguidade dos critérios estabelecidos pelo CSMP para o concurso”, lê-se na moção. Os procuradores queixam-se da “falta de fundamentos claros para a extinção de lugares” e da “falta de rigor” das estatísticas que estiveram na base dessas decisões.
Ao associados dos SMMP criticam que em vez de preencher lugares efectivos, o conselho tenha optando por abrir vagas para auxiliares, mais fáceis de fechar, e recorra aos representantes — licenciados em direito que não fizeram a formação base das magistraturas — para ocupar muitos lugares nos departamentos de investigação criminal de grandes municípios. Tal, consideram, é “completamente inaceitável” e descredibiliza o Ministério Público.
“Existe uma premente necessidade de outro tipo de intervenção por parte da figura máxima de representação da nossa magistratura, concretamente, a procuradora-geral da República, relativamente à actual tentativa de limitação de recursos humanos no seio do Ministério Público, com prejuízo manifesto para a eficácia da acção penal”, pode ler-se no documento.
A moção pede ainda à procuradora-geral da República que sensibilize a ministra da Justiça para a “abertura urgente” de um curso de selecção e formação exclusivo para magistrados do Ministério Público.
Défice de 200 magistrados
O presidente do SMMP, António Ventinhas contabiliza um défice de cerca de 200 magistrados, estimando que, até 2020, deixem de trabalhar, por reforma ou jubilação, perto de 250.
De acordo com o dirigente, este movimento contribui para a “precarização da actividade” do Ministério Público e poderá levar a que se perca o investimento realizado “em investigação especializada”, que permitiu “obter bons resultados”.
António Ventinhas chamou ainda a atenção para o facto de este concurso permitir que os magistrados sejam transferidos, quando a transferência no Ministério Público apenas acontece em duas situações: “a pedido ou por processo disciplinar”. “O caminho que está a ser seguido pode levar” ao condicionamento da administração da justiça, diz, a partir do momento em que deixa “portas abertas” para que um “magistrado incómodo” possa ser “transferido de um tribunal para outro”.