Um vazio legal que pode valer 400 milhões

A central a carvão de Sines foi concessionada à EDP, num contrato sem “prazo de duração”, em que o Estado paga compensações à eléctrica e não recebe contrapartidas. Bloco quer que o Governo renegoceie.

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Depois de 2017, a EDP manterá o controlo da central sem pagar ao Estado mais do que o aluguer dos terrenos Pedro Cunha

A central termoeléctrica de Sines pode ser conhecida da maioria dos portugueses por aquecer as águas do Atlântico na praia de São Torpes. O sistema de refrigeração da central devolve ao oceano a água que utiliza, a uma temperatura bastante superior à normal na costa portuguesa. Mas a relação da central com o Estado não é tão simbiótica. A sua concessionária, a EDP, recebe do Estado uma “compensação” chamada Custo para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), mas quando esta terminar, no fim da licença original, a EDP manterá o controlo da central sem pagar ao Estado mais do que o aluguer dos terrenos da central.

E é isso que leva, agora, o Bloco de Esquerda a questionar o Governo e a pedir “a correcção deste desequilíbrio contratual muito penalizador para os consumidores”. Desde 2007, o Estado pagou à EDP pelo “equilíbrio contratual” da central cerca de 70 milhões de euros. Esse é o valor que consta do relatório da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Proveitos Permitidos e Ajustamentos para 2016 das Empresas Reguladas do Sector Eléctrico (pág. 106).

Uma licença perpétua

Além disto, a EDP tem, desde 28 de Junho de 2007, uma licença que “não está sujeita a prazo de duração”, como se pode ler no documento oficial, assinado pelo director-geral de Energia e Geologia, Miguel Barreto, que era responsável pelo sector tutelado pelo então ministro da Economia Manuel Pinho.

Um ano depois, o director-geral de Energia deixou a Administração Pública e criou uma empresa, em sociedade com a Martifer, que vendeu, em 2011, à EDP.

Mas o enquadramento legal desta situação remonta ao tempo em que o CEO da EDP, António Mexia, era ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do governo liderado por Pedro Santana Lopes. Em 27 de Dezembro de 2004, já depois de o Presidente da República Jorge Sampaio ter dissolvido a Assembleia da República (onde o PSD e CDS eram o suporte maioritário do Governo), o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei 240/2004 que estabelece uma mudança de regime de compensações às empresas produtoras de energia. Os Contractos de Aquisição de Energia (CAE) passam a poder ser antecipadamente terminados, vigorando em substituição um regime de compensações mais vantajoso para a EDP, os CMEC. Com uma diferença: enquanto os CAE vigoravam por 15 anos, sob o CMEC a licença para a central termoeléctrica de Sines não tem prazo. É virtualmente eterna. O que acaba, em 2017, é o valor pago pelo Estado como compensação.

Num parecer sobre o diploma, o regulador – a ERSE– considerou “questionável” a prorrogação sem prazo das licenças da EDP, e “ilegítimo” que não haja qualquer contrapartida para o sector eléctrico das “vantagens” dadas às empresas. “Esta prorrogação deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico (…). A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE (…). Ora, além da imediata prorrogação da licença ser questionável (…), a ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo.”

No caso das barragens, este “acto ilegítimo” viria a ser corrigido, em 2007, em linha com o argumento da ERSE. Foram estipulados prazos para as licenças, e compensações para o Estado. Mas não nas termoeléctricas. Sines ficou de fora da letra do decreto-lei 264/2007. Pelas barragens, a EDP pagou ao Estado 759 milhões de euros. Pela central de Sines, nada. É o que sublinha o requerimento do Bloco de Esquerda enviado esta quinta-feira ao Governo de António Costa: “A manutenção da licença de produção da central de Sines para além do período originalmente previsto no CAE e por tempo indeterminado tem um valor económico muito relevante.”

Segundo contas de especialistas, com um número médio de horas de utilização por ano calculado em seis mil, as vendas anuais da central rondam os 65 milhões de euros anuais. Descontando todos os custos, o valor total da extensão por dez anos da licença de Sines pode ultrapassar os 400 milhões de euros.

Em final do próximo ano termina o tempo de utilização da central previsto no extinto CAE. Mas a central pode continuar a funcionar, uma vez que a EDP possui uma licença sem prazo. Por isso o Bloco quer saber se o Governo pretende abrir uma “negociação específica com a EDP” ou se pondera “a revogação da actual licença de produção e a abertura de um concurso público internacional” para Sines após Dezembro de 2017.

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