A enorme polémica e contestação em que este jornal se viu envolvido por causa das reportagens que publicou sobre as manifestações a favor da escola pública e das escolas privadas com contratos de associação merece um olhar crítico e mais distanciado, para além da guerra em curso. Esta guerra tem um pressuposto implícito de ambos os lados do campo de batalha, do lado dos leitores e do lado dos jornalistas: a crença de que os media detêm a força de uma instância toda-poderosa. Esta crença produz certamente efeitos bem reais, como se pode ver facilmente no comportamento dos políticos. Mas, como está mais que estudado, há actualmente um enorme desfasamento entre as representações e o peso real dos media. Não se deve, no entanto, desvalorizar de uma maneira simples o “quarto poder” porque o seu segredo é esta condição paradoxal que já foi formulada como regra: o poder dos media é tanto maior quanto mais se pensa que ele é fraco, e é tanto mais restrito quanto mais vasto se considera. Karl Kraus, o grande escritor e satirista vienense que empreendeu de 1899 a 1936 uma cruzada contra a fraseologia e a corrupção da linguagem jornalística, contra a “jornalização” do pensamento e da vida, ao ponto de chamar à imprensa “a grande prostituta de Viena”, falhou a sua missão, mas pode ainda hoje ser lido com muito proveito. Dos seus aforismos satíricos (que seguiam o método, muito eficaz, segundo o qual a realidade só pode ser compreendida a partir dos seus extremos) há a resposta eloquente e venenosa a quem o criticava, dizendo que ele não devia generalizar a partir dos erros e vícios de alguns. Não, respondia ele, o que não se deve fazer é desculpar e absolver a imprensa em geral a partir da honestidade e coragem de alguns. Seja como for, a actualidade de Karl Kraus pode ser apreendida em vários aspectos: em primeiro lugar, na questão da “fraseologia” e da “corrupção da linguagem” (aquilo a que se chama “deontologia” jornalística tem de começar por uma concepção ética da responsabilidade do jornalista perante a linguagem); em segundo lugar, na pretensão dos media em serem uma grande fábrica que produz a opinião pública; em terceiro lugar, na verificação de uma regra que não mudou nem um milímetro e ganhou até, em tempos de crise, uma enorme rigidez: os media transformam-se para se adaptarem a novos tempos e a novos contextos, mas jamais se reformam por um impulso crítico e, muito menos, autocrítico; em quarto lugar, na tendência endogâmica, tautológica, que faz com que os media se refiram uns aos outros – ainda que implicitamente e por mimetismo – num ciclo sem fim (trata-se daquilo a que alguém já chamou “comunicação tautística”). A crítica aos media só pode ser feita de fora, como já se percebeu há muito tempo. Mas essa crítica não pode limitar-se a denunciar a falta de objectividade, as mentiras e os “truques da imprensa”. A temática da manipulação foi sempre muito importante e necessária, na crítica dos media, porque sempre se entendeu que eles mascaram as suas verdadeiras intenções. Mas a mentira, que Karl Kraus denunciou com mais veemência do que ninguém, está longe de ser hoje o aspecto mais grave, até porque a sua “decifração” se tornou muito mais fácil: o mais grave está no facto de os media se limitarem a produzir objectos já consumidos, a mostrar acontecimentos já vistos, a submeter-nos a factos já interpretados, a anunciar situações já classificadas e a fabricar documentos já arquivados. Sem jamais se interrogarem o que é feito da linguagem e do poder crítico das palavras nas sociedades contemporâneas mediatizadas.
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