O que a CGD precisa não é de uma comissão de inquérito
A ideia de uma comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) centralizou a agenda política. E, desde logo, isso diz muito sobre os objectivos por detrás do tema. Quando o PSD refere que quer apurar por que é que são precisos quatro mil milhões de euros para recapitalizar o banco público (valor que nem é certo, nem oficial), o que eu oiço é o PSD a preparar o ataque à gestão de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, nomeados pelo PS. Ou enquanto esteve no Governo o PSD não percebeu que a CGD precisava de mais capital, para conseguir pagar as dívidas ao Estado e limpar o balanço dos empréstimos que correram mal?
Há temas que são demasiado sérios para andarem a ser utilizados como arma política, com as típicas omissões, meias verdades e deturpações descaradas, e este é um deles. Colocar a CGD numa comissão de inquérito, como vai acontecer, ao lado de casos de fraude e colapso como o Banco Português de Negócios (BPN), o Banco Espírito Santo (BES) e o Banco Internacional do Funchal (Banif), é do que menos precisa a CGD, o sistema financeiro e o país.
Até porque duvido da eficácia dos deputados para nos explicarem o que correu mal no banco público. Isso não quer dizer, no entanto, que não sejam precisos esclarecimentos, e que eles não devam existir de forma objectiva e transparente. Se há casos de justiça, que sejam céleres. Se for necessário, que haja uma auditoria externa às contas dos últimos dez anos cujos resultados sejam divulgados integralmente.
Não tenho dúvidas de que foram cometidos erros na CGD, alguns por incúria, outros de forma consciente (em prejuízo de todos os contribuintes e em beneficio de algumas partes interessadas). Mas é preciso lembrar o seguinte: a CGD é o maior banco em Portugal, logo, estava mais exposta do que os bancos privados aos sectores da construção e imobiliário, a base da economia nacional no passado recente. Com a crise financeira, a entrada da troika, a perda de acesso ao financiamento e o elevado desemprego, as contas tinham de se afundar.
Os bancos privados reagiram com venda de activos, aumentos de eficiência e reforços de capital. A CGD tentou o mesmo, mas com menos apoio financeiro do seu accionista, devido às regras europeias. Não vi o anterior Governo defender o reforço da CGD e até desconfio que não se importava de privatizar parte do banco.
Quatro mil milhões é muito dinheiro? É. Mesmo que sejam dois mil milhões, também é muito dinheiro. Mas prefiro pagar essa factura para ter uma CGD sólida do que pagar a conta do fim do Banif. Para fazer bem as contas, era preciso ver quanto é o Estado já ali colocou, e quanto é que já recebeu de volta, seja em dividendos, juros do capital contingente (os chamados CoCo’s) e das emissões de dívida garantidas pelo Estado.
No caso dos CoCo’s, o valor pago em juros vai já em 303,1 milhões de euros, ou seja, mais de um terço do que o banco deve ao Estado. Quanto ao que já foi pago pelo apoio do Estado na emissão de dívida, não se sabe o valor, apesar de o PÚBLICO ter questionado o Ministério das Finanças nesse sentido (tal como não enviou os dados solicitados sobre o pagamento de juros dos Coco’s por cada banco, o que mostra uma falta de transparência que não devia existir).
A questão política à volta da CGD está também a relegar para um plano secundário o que devia estar no centro: que banco público vamos ter, e queremos ter, após a aplicação das exigências de Bruxelas que virão ligadas à recapitalização? Quantas pessoas vão ser despedidas (ou sair do banco, por mútuo acordo), onde é que vão fechar agências, e que activos terão de ter vendidos?
Há ainda um outro aspecto de importância fulcral: o que é que o Governo está a fazer para garantir, em termos de governação, de transparência e de divulgação de informação, para que não haja mais casos como o do Vale do Lobo (para citar apenas um, ligado a Armando Vara)? Neste aspecto, o Governo tem ainda muito caminho para percorrer. No caso Banif, duas das principais explicações do real valor da factura do banco surgiram através de artigos de opinião do secretário de Estado adjunto do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix, e não via oficial.
Os políticos têm um papel fundamental a cumprir no que respeita ao banco do Estado. Mas se a política for como tem sido, vamos então ter uma comissão de inquérito sobre a CGD, e pouco se fará para evitar uma outra no futuro.