Exército diz que Colégio Militar tem sido “um bombo de festa mediático”
No dia em que teve início uma inspecção ao Colégio Militar, o major-general Fernando Coias Ferreira foi ao Parlamento dizer aos deputados que nenhum aluno é discriminado ali, por ser homossexual.
Não há “homofobia nem tolerância com a homofobia” no Colégio Militar (CM). A garantia foi dada nesta terça-feira, no Parlamento, pelo major-general Fernando Coias Ferreira, director de Educação do Exército, que foi prestar esclarecimentos aos deputados da Subcomissão Parlamentar da Igualdade sobre como lida a escola com a questão da homossexualidade. “Não houve qualquer situação, ultimamente, de um aluno que tenha saído por ter manifestado a sua orientação sexual”, afirmou. O que houve, disse, foi um caso de um aluno “excluído porque houve uma situação de assédio sexual”.
Coias Ferreira repetiu ainda, várias vezes, durante a audiência, a ideia de que o colégio é alvo de um grande “escrutínio do poder político, mediático e da sociedade”. Aliás, é mesmo “um bombo de festa mediático”. Mais: a sociedade exige muito desta escola — e “quase que se exige que seja um bastião de comportamentos imaculados dos alunos”. O militar garante que tentam sair-se bem. Mas o facto, prosseguiu, é que um problema no CM nunca tem o mesmo eco que um problema idêntico noutra escola.
O major-general falou no Parlamento na sequência de um pedido do Bloco de Esquerda, que queria ouvir a direcção do CM. Em lugar do director ou do subdirector da escola — as palavras deste último, o tenente-coronel António Grilo, citadas numa reportagem do jornal digital Observador, publicada a 1 de Abril, deram origem a uma polémica que já passou pela demissão do chefe de Estado-Maior do Exército, general Carlos Jerónimo — foi Fernando Coias Ferreira, que lidera a direcção de Educação do Exército, quem assumiu a tarefa de responder aos deputados.
Mas a declaração de que um aluno chegou a ser “excluído porque houve uma situação de assédio sexual” — o que, afirmou o major-general, é, no colégio, considerado “uma falta grave”, tendo sido esse aluno “sujeito a um processo disciplinar”, e acabado por sair — suscitou, ela própria, surpresa durante a audição.
“O senhor major-general acabou de denunciar um crime público. Se o aluno exerceu coacção sexual, temos que saber o que aconteceu e tenho que saber a idade do rapaz, porque o rapaz cometeu um crime” e não apenas “uma falta grave”, disse a deputada do PS, Isabel Moreira.
A audição, contudo, já estava no fim e Coias Ferreira acabou por não falar mais sobre esse assunto. Sandra Cunha, do BE, afirmou que, “se houve uma situação de coacção sexual” com a qual o CM lidou apenas com um processo disciplinar, isso poderá significar que “existem outras situações que não são abordadas como deveriam ser”. Por isso, disse estar preocupada.
Já a deputada do PSD Ângela Guerra fez saber, nos últimos momentos da audição, que estava “perfeitamente esclarecida” com as respostas que o major-general dera às várias questões colocadas. E foram muitas.
“Questões de semântica”
Uma das frases da polémica, na referida reportagem do Observador, e que levou às audições que estão em curso no Parlamento, é esta: “Nas situações de afectos [homossexuais], obviamente não podemos fazer transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que percebam que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos.” O autor da afirmação é o subdirector do CM, António Grilo, “um militar de excepção”, como descreveu Fernando Coias Ferreira, logo a abrir a audição desta terça-feira.
Aos deputados, o major-general explicou depois que entende que esta polémica se deve em parte a “questões de semântica” e a “artificiozinhos” como "uns parêntesis” a meio das frases. “Em momento algum ele disse que um aluno é transferido de escola exclusivamente por causa da sua orientação sexual”, sublinhou Fernando Coias Ferreira, afirmando que "quando se fala de afectos", fala-se de afectos entre heterossexuais e entre homossexuais. E que os que não são permitidos no CM são os afectos que “possam causar instabilidade na vivência interna e na situação pedagógica dos alunos, que entrem no âmbito do assédio e da coacção sexual, não é simples afectos de amizade”.
O que António Grilo referiu, sim, acrescentou ainda Coias Ferreira, foi um caso de um aluno que acabou por sair da escola depois de assediar outro — e, ao dizer isto, Coias Ferreira foi mais longe na explicação do que a que o próprio tenente-coronel António Grilo tinha dado ao Observador (na altura, António Grilo disse que se lembrava de um caso em que um aluno tinha perdido “espaço de convivência” depois de ter tentado acarinhar outro aluno, tendo acabado por sair porque, declarou ainda, estas situações se tornam muito difíceis de "gerir" quando se fala de internatos).
Inspecção em curso
A audição de Coias Ferreira aconteceu no dia em que arrancou uma inspecção do Exército ao Colégio Militar, confirmou o próprio, ainda em resposta à deputada do PSD Ângela Guerra. Esta inspecção debruçar-se-á sobre vários aspectos do funcionamento da unidade, explicou. “Os Pupilos do Exército tiveram exactamente a mesma no mês passado”, disse, “é perfeitamente normal”. Tal como será normal que a questão da prevenção das discriminações seja um ponto a aprofundar pelos inspectores, disse, depois das notícias que têm saído.
Questionado pela deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa sobre o que já faz o CM para prevenir eventuais discriminações, o major-general falou, por exemplo, de um programa de educação para a saúde e sexualidade que existe na escola, no âmbito do qual “são convidadas pessoas de fora para dar palestras”, e dos regulamentos internos, que proíbem a discriminação e "remetem para a lei geral" em tudo o que não cobrem. Mas disse ainda que o CM está aberto “a acolher eventuais recomendações” que surjam da inspecção que está a acontecer até quarta-feira.
“Muito deste ruído deve-se ao desconhecimento do que é o dia-a-dia no colégio”, disse na audição seguinte Ângelo Felgueiras, presidente da assembleia geral da Associação de Pais do CM. Nesta audição, que decorreu a pedido do PSD, Ângelo Felgueiras, que é também ex-aluno do CM, convidou os parlamentares a visitarem a escola “num dia normal”. E garantiu que “o colégio não promove a discriminação”.
No final, mostrou-se preocupado, sim, pela forma como “estas notícias afectam” as crianças e jovens que frequentam o CM, “o seu rendimento e a sua estabilidade”.